1 – Introdução.
Nos dias atuais, quando cristãos professos consideram inovações, acomodações culturais e a modernização do culto público a Deus como boas e necessárias para fins de entretenimento, relevância e crescimento da Igreja, um trecho das Escrituras que precisa ser considerado é Levítico 10:1 – 6 (ACF): — “E os filhos de Arão, Nadabe e Abiú, tomaram cada um o seu incensário e puseram neles fogo, e colocaram incenso sobre ele, e ofereceram fogo estranho perante o Senhor, o que não lhes ordenara. Então saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor. E disse Moisés a Arão: — Isto é o que o Senhor falou, dizendo: — ‘Serei santificado naqueles que se chegarem a mim, e serei glorificado diante de todo o povo’. Porém Arão calou-se. E Moisés chamou a Misael e a Elzafã, filhos de Uziel, tio de Arão, e disse-lhes: — ‘Chegai, levai a vossos irmãos de diante do santuário, para fora do arraial’. Então chegaram, e os levaram nas suas túnicas para fora do arraial, como Moisés lhes dissera. E Moisés disse a Arão, e a seus filhos Eleazar e Itamar: — ‘Não descobrireis as vossas cabeças, nem rasgareis vossas vestes, para que não morrais, nem venha grande indignação sobre toda a congregação; mas vossos irmãos, toda a casa de Israel, lamentem este incêndio que o Senhor acendeu’”.
Este trecho é fundamental, pois nos orienta sobre como devemos nos aproximar do único Deus verdadeiro, infinitamente justo e santo, de forma geral, e nos ensina, de maneira particular, como adorar a Yahweh no culto. Antes de discutirmos os detalhes específicos desta seção das Escrituras, é necessário considerar algumas questões introdutórias.
2 – Ocasião e contexto.
Primeiro, a ocasião e o contexto deste incidente são significativos. Em Levítico 8, Arão e seus filhos foram separados e ordenados para seu ofício sacerdotal especial. Isso foi um evento público, realizado em estrita conformidade com o mandamento de Deus em Êxodo 29. Toda a congregação se reuniu diante do recinto da tenda da congregação, onde estava o grande altar de bronze, para assistir ao serviço de ordenação e à consagração do tabernáculo. Arão e seus filhos foram lavados com água, vestidos com suas vestes sacerdotais especiais e ungidos com óleo. Tudo isso foi seguido por uma oferta de santificação–purificação. Wenham explica: — “Se Deus estivesse presente nos sacrifícios oferecidos pelo sacerdote, seu santuário precisava ser purificado da poluição do pecado, especificamente das poluições introduzidas pelos próprios sacerdotes. Para esse fim, o primeiro sacrifício foi uma oferta de purificação em nome de Arão e seus filhos: — eles impuseram as mãos sobre o novilho (Levítico 8:14). O sacrifício segue exatamente as instruções em Êxodo 29:10 – 14, e é muito semelhante ao ritual estabelecido para a oferta de purificação de um sacerdote em Levítico 4. Aqui, no entanto, Moisés oficia no lugar dos sacerdotes, que ainda não foram ordenados, e o sangue é aplicado ao altar de holocaustos, em vez de no véu e no altar de incenso (Levítico 4:6, 7)[2]”.
A oferta pelo pecado, na qual Arão e seus filhos impuseram as mãos sobre um novilho, simbolizava a imputação de seu pecado e culpa a Cristo, a verdadeira e perfeita oferta pelo pecado. Isso foi seguido por um holocausto que simbolizava o holocausto que Jesus suportou como resgate pelo pecado. Identificando-se com o animal limpo, abatido e consumido, eles estavam dedicando-se publicamente ao serviço de Deus por meio do sacrifício perfeito que viria. Tudo isso foi seguido por uma oferta pacífica, com parte do sangue da vítima sacrificial aplicado na orelha direita, no polegar direito e no dedo grande do pé direito, bem como nas vestes de Arão e seus filhos (Levítico 8:23, 24, 30). “O sangue indica (Êxodo 24) que, no Pacto, Israel se tornou o povo de Deus. Assim, aqui o sangue liga Deus e Arão, mostrando de maneira visível que ele é agora o homem de Deus, seu representante especial entre Israel[3]”.
R.K. Harrison explica a importância desta cerimônia: — “A aplicação do sangue em partes específicas dos corpos de Arão e seus filhos foi um gesto altamente simbólico, relacionado diretamente ao sacerdote e seu trabalho. De maneira simbólica, todo o corpo foi consagrado ao serviço do Senhor, e, ao aceitar a aplicação, o sacerdote reconhecia as obrigações inerentes ao simbolismo. Doravante, ele deveria ouvir cuidadosamente os pronunciamentos de Deus para proclamá-los corretamente. Suas mãos deveriam ser dedicadas inteiramente às coisas relacionadas ao trabalho do Senhor, para não ser tentado a realizar atos malignos. Seus pés deveriam ser sempre direcionados de tal maneira que estivessem continuamente andando nos caminhos do Senhor. O uso do sangue neste ritual separava o sacerdote das preocupações mundanas e o dedicava completamente ao serviço de Deus[4]”.
Há uma ênfase aqui no fato de que o papel do sacerdote é puramente ministerial. Os ouvidos devem ouvir o que Deus autorizou ou ordenou. As mãos devem realizar obedientemente tudo o que Deus requer. Os pés devem andar em todos os mandamentos de Deus. O papel do sacerdote e, por implicação, de todos os ministros e presbíteros, não é de criatividade ou inovação, mas de total submissão. Deus é tão santo e perfeito em todos os seus atributos que só pode ser servido e adorado conforme Ele requer em sua revelação especial — a palavra de Deus.
Não devemos nos aproximar de Deus, seja na salvação, no culto ou na ética, de forma autônoma, como criadores independentes do que pensamos que Deus gosta ou considera aceitável. Devemos ouvir exatamente o que Ele diz e obedecer. Não devemos acrescentar nem subtrair coisa alguma do que Ele ordenou (cf. Êxodo 20:4, 5; Deuteronômio 4:2; 12:32; 1 Crônicas 15:15; 2 Crônicas 29:25; Jeremias 7:31; 19:5; Mateus 15:1 – 3, 8, 9; Colossenses 2:8, 20 – 23). Como oficiais ordenados que estavam entre o povo e Deus no culto cerimonial do Antigo Pacto, os sacerdotes tinham uma responsabilidade especial de ensinar ao povo completa obediência e submissão. Qualquer criatividade pessoal, autonomia ou invenção humana nas esferas de salvação, culto ou ética é uma traição ao ofício sacerdotal e ao propósito principal de seu ministério.
3 – Continuação do contexto.
Em Levítico 8:36, lemos que “Arão e seus filhos fizeram todas as coisas que o Senhor havia ordenado pela mão de Moisés”. Até então, tudo bem. Eles se submeteram a tudo o que Deus lhes ordenou para a consagração. Ficaram no tabernáculo por sete dias e fizeram exatamente o que Deus lhes exigiu. Ao fim dos sete dias de ordenação, estando agora Arão e seus filhos plenamente consagrados ao seu ofício especial, foi convocado um serviço especial no oitavo dia (o primeiro dia de uma nova semana), para que dessem início ao exercício de sua obra mediadora. Este serviço é descrito em Levítico 9. Arão e seus filhos obedeceram fielmente a Deus e realizaram suas tarefas sacerdotais como ordenado. Nadabe e Abiú auxiliaram seu pai em algumas das tarefas sacrificiais (Levítico 8:9, 13, 18), exceto em certas coisas reservadas exclusivamente ao sumo sacerdote. O procedimento culminou em Levítico 9:22 – 24 (ACF): — “Depois Arão levantou as suas mãos ao povo e o abençoou; e desceu, havendo feito a expiação do pecado, e o holocausto, e a oferta pacífica. Então entraram Moisés e Arão na tenda da congregação; depois saíram, e abençoaram ao povo; e a glória do Senhor apareceu a todo o povo. Porque o fogo saiu de diante do Senhor, e consumiu o holocausto e a gordura, sobre o altar; o que vendo todo o povo, jubilaram e caíram sobre as suas faces”.
O fogo que saiu do Senhor e consumiu o sacrifício nos lembra do fogo que caiu do céu para consumir o sacrifício de Gideão (Juízes 6:20, 21), Elias (1 Reis 18:38) e Salomão na dedicação do templo (2 Crônicas 7:1, 2). Deus estava mostrando ao povo que o pecado e a culpa foram removidos, o sacrifício foi aceito e, assim, a ira de Deus foi removida. Deus estava reconciliado com o povo por meio do Cordeiro que viria, e assim o Senhor pôde aparecer como um amigo e pai amoroso para o povo. Isso é demonstrado pela teofania e pela bênção falada de Arão ao povo (por exemplo, Números 6:22 – 26). O povo respondeu com um grito de alegria e reverência. Além disso, caíram sobre seus rostos (Levítico 9:24), um ato de grande humildade e homenagem.
A importância do fogo que sai de Deus no caso de julgamento é encontrada em Deuteronômio 4:24, que será citado em Hebreus 12:29. No contexto, lemos: — “Guardai-vos e não vos esqueçais da Aliança do Senhor vosso Deus, que tem feito convosco, e não façais para vós escultura alguma, imagem de alguma coisa que o Senhor vosso Deus vos proibiu. Porque o Senhor teu Deus é um fogo que consome, um Deus zeloso” (ACF). Hebreus fala de servir a Deus com reverência e temor porque “nosso Deus é um fogo consumidor” (v. 29).
Há duas lições a aprender com tais passagens:
[1] – O fogo é usado para simbolizar a presença de Deus, talvez com ênfase na santidade, pureza e aversão de Deus ao pecado. Quando Deus fez ou estabeleceu o Pacto com Abraão, e o patriarca cortou os pedaços e os arrumou, “eis que um forno de fumaça e uma tocha de fogo passaram por aquelas metades” (Gênesis 15:17). Yahweh apareceu a Moisés na sarça ardente (Êxodo 3:2) e a Israel na coluna de fogo e fumaça (Êxodo 13:21; 14:24). Quando o Pacto foi feito com Israel no Monte Sinai, “o Senhor descera sobre ele em fogo” (Êxodo 19:18). O fato de que um fogo deveria ser mantido aceso no altar e não podia apagar simbolizava Deus como um fogo consumidor (Levítico 6:12, 13). Em Isaías 6:3, 4, após os serafins exclamarem uns aos outros no templo celestial, “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória […] a casa se encheu de fumaça”. Após Manoá (o pai de Sansão) oferecer um cabrito ao Senhor, quando a chama subiu do altar para o céu, “o anjo do Senhor subiu na chama do altar; o que vendo Manoá e sua mulher, caíram em terra sobre seus rostos” (Juízes 13:20). O fogo de julgamento contra o pecado é direcionado à vítima inocente. Portanto, a ira ou furor de Deus contra aquele que faz a oferta com fé é propiciado ou apaziguado. Podemos nos aproximar do Deus verdadeiro e vivo somente por meio de Cristo, tanto para estabelecer uma relação pactual amigável quanto para oferecer um culto aceitável. O fogo do juízo e a maldição da Lei de Deus, que trazem o holocausto, são lançados sobre Jesus no lugar daqueles que nEle creem e confiam em sua perfeita redenção (expiação vicária).
[2] – O fogo é o símbolo supremo do castigo de Deus contra o pecado. Deus fez chover fogo e enxofre sobre Sodoma e Gomorra (Gênesis 19:24 – 28). Somos informados que esse fogo veio “do Senhor desde os céus” (v. 24). Quando Deus julgou o Egito, enviou fogo à terra (relâmpagos): — “[…] havia saraiva, e fogo misturado entre a saraiva” (Êxodo 9:24). Quando o povo no deserto carecia de fé e reclamava contra Yahweh, a “ira de Deus se acendeu”. “E aconteceu que, queixou-se o povo falando o que era mal aos ouvidos do Senhor; e ouvindo o Senhor a sua ira se acendeu; e o fogo do Senhor ardeu entre eles e consumiu os que estavam na última parte do arraial” (Números 11:1). Quando Corá e duzentos e cinquenta líderes da congregação se revoltaram contra Moisés e Arão (bem como contra o sistema civil e religioso de governo que Deus havia instituído) e reclamaram da liderança de Moisés e de sua situação no deserto (Números 16:1 – 14), Corá, Datã e Abirão foram engolidos pela terra: — “Então saiu fogo do Senhor, e consumiu os duzentos e cinquenta homens que ofereciam o incenso” (Números 16:35). Nadabe e Abiú foram consumidos por fogo por usarem fogo não autorizado ou não ordenado. Os duzentos e cinquenta rebeldes foram consumidos por fogo por usurparem o ofício sacerdotal, como se o homem pecador tivesse autoridade para instituir seus próprios ofícios ou formas de governo eclesiástico.
Em Deuteronômio 32:22, na Canção de Moisés, o grande líder e profeta nos diz o que acontecerá quando Israel provocar a ira de Deus por sua idolatria flagrante: — “Porque um fogo se acendeu na minha ira, e arderá até ao mais profundo do inferno, e consumirá a terra com a sua colheita, e abrasará os fundamentos dos montes”. O fogo divino da ira de Deus, acendido por pecados habituais e desafiadores, não conhece limites em sua força destrutiva. Alcança os frutos da terra, as profundezas dos montes e até mesmo os domínios sombrios dos mortos incrédulos. A ira de Deus contra o pecado e a rebelião é algo terrível e impressionante. Só podemos entendê-la se meditarmos na santidade e justiça infinitas de Deus. A ira e o julgamento de Deus são necessários devido à santidade e pureza de sua natureza.
Por meio de Jeremias, Deus advertiu os judeus a se arrependerem: — “[…] para que o meu furor não venha a sair como fogo, e arda de modo que não haja quem o apague, por causa da malícia das vossas obras” (Jeremias 4:4). Em Jeremias 15:14, Deus acrescenta: — “E te farei passar aos teus inimigos numa terra que não conheces; porque o fogo se acendeu em minha ira, e sobre vós arderá”. Em Ezequiel, lemos sobre “o fogo do meu furor” (Ezequiel 22:21). Em Sofonias 1:18, o profeta advertiu o povo, dizendo: — “pelo fogo do seu zelo toda esta terra será consumida”. Naum falou, dizendo: — “A sua cólera se derramou como um fogo” (Naum 1:6). O inferno é comparado a Tofete (Jeremias 7:31 – 33) ou Geena, onde o verme não morre, e o fogo não se apaga (Isaías 66:24; cf. Ezequiel 20:47; Marcos 9:43 – 49), o lugar onde os pecadores impenitentes são lançados em uma fornalha de fogo (Mateus 13:40, 41). Haverá choro e ranger de dentes (Mateus 13:42). A punição final é ser lançado, corpo e alma, no lago de fogo (Apocalipse 20:15), pois a fumaça de seu tormento sobe para sempre (Apocalipse 14:11; 19:3). Jesus disse: — “Toda árvore que não dá bom fruto é cortada e lançada no fogo” (Mateus 7:19).
Tudo isso nos dá um pano de fundo para o julgamento de Nadabe e Abiú por fogo da presença de Deus. Em Levítico 8, eles foram consagrados para fazer exatamente como o Senhor lhes ordenou. Em Levítico 9, sua ordenação é celebrada quando o sacrifício, que representa a morte expiatória de Jesus Cristo, é realizado pelo sacerdote e aceito por Deus. O Senhor, por meio do fogo, consumiu o holocausto e a gordura no altar (Levítico 9:24). Se confiamos em Cristo e em sua obra de redenção, o abate, o julgamento e o fogo da ira que merecemos são colocados sobre o Salvador. Os que não creem estão desprovidos de qualquer refúgio contra a santa e justa ira de Deus que se acende contra o pecado. Eles devem esperar apenas “uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários” (Hebreus 10:27). Tudo isso flui da santidade e justiça de Deus.
4 – Posição e reputação.
A posição ou reputação anterior de Nadabe e Abiú são notáveis. Esses homens eram líderes religiosos altamente privilegiados devido à sua posição como primeiro e segundo filhos de Arão, o sumo sacerdote (Êxodo 6:23). Nadabe era a próxima pessoa na linha para se tornar o sumo sacerdote após a morte de seu pai. Sua posição eminente pode ser vista em Êxodo 24 durante a confirmação do Pacto. Deus disse a Moisés: — “Depois disse a Moisés: — Sobe ao Senhor, tu e Arão, Nadabe e Abiú, e setenta dos anciãos de Israel; e adorai de longe” (Êxodo 24:1). Então, em Êxodo 24:9, 10, lemos: — “E subiram Moisés e Arão, Nadabe e Abiú, e setenta dos anciãos de Israel. E viram o Deus de Israel, e debaixo de seus pés havia como que uma pavimentação de pedra de safira, que se parecia com o céu na sua claridade”. Arão e seus dois filhos mais velhos foram chamados a subir a montanha por causa de seu futuro chamado como sacerdotes. Havia três níveis distintos de aproximação: — [1] – Moisés; [2] – Arão, Nadabe e Abiú, bem como os setenta anciãos; [3] – bem abaixo, onde o povo foi mantido atrás de limites estabelecidos para sua própria segurança (Êxodo 19:12, 21). Aqui, Deus convoca Moisés e os líderes — tanto religiosos quanto civis — a subirem ao monte para adorá-lo e contemplar a sua glória. Nadabe e Abiú receberam o privilégio sublime de presenciar a presença especial de Deus, fazendo-o na qualidade de representantes entre Deus e o povo. A impressionante santidade do Senhor não anula seu propósito de estabelecer intimidade e proximidade com seu povo pactual. Essa comunhão, porém, foi firmada com base na expiação pelo sangue — ou seja, na mediação do Messias que haveria de vir (cf. Êxodo 24:4 – 6, 8). As estipulações deste Pacto — compreendendo os deveres éticos, cerimoniais, governamentais e cultuais — fluem da relação sacrificial estabelecida por meio da oferta vicária e sangrenta. Nadabe e Abiú deveriam estar plenamente conscientes de que os termos do Pacto, sobretudo aqueles relativos à salvação e ao culto, não eram deixados à imaginação humana, mas prescritos. Moisés escreve as palavras da Aliança e, mais uma vez, as lê em voz alta ao povo. Nadabe, Abiú, os anciãos e toda a congregação sabiam com clareza o conteúdo daquilo a que se obrigavam mediante juramento solene.
O Pacto é uma relação de amor e compromisso, um tratado entre Deus e Israel. É estabelecido com base no sangue de animais limpos derramado em sacrifício vicário, que simboliza a morte sacrificial de Cristo. As leis de Deus reveladas a Moisés são as instruções deste Pacto. O Pacto é de graça, pois somente Cristo pode remover o pecado, a culpa e a inimizade entre Deus e o homem pecador. A Lei do Pacto é para a santificação do homem e a manutenção deste Pacto. Quando não há fé, o povo corre para ídolos e quebra a Lei do Pacto.
A posição de Nadabe e Abiú agrava grandemente seu pecado ao oferecer fogo estranho, pois, como líderes religiosos de alto nível, tinham a responsabilidade de conhecer a verdade e ensiná-la e obedecê-la fielmente como exemplos e mediadores para o povo. Se os homens da Igreja têm a capacidade de decretar ritos e cerimônias na Igreja, como os artigos anglicanos ensinam e os evangélicos assumem, então certamente Nadabe e Abiú, com sua grande posição de autoridade na Igreja, teriam o direito de usar fogo e oferecer incenso da maneira que escolhessem. Mas eles não tinham. Eles tinham o dever de ensinar Israel no caminho da santidade, obedecendo às instruções de Deus e não adicionando ou subtraindo da Lei do Pacto de Deus.
5 – Identificação e natureza do pecado.
O pecado de Nadabe e Abiú é descrito em Levítico 10:1: — “E os filhos de Arão, Nadabe e Abiú, tomaram cada um o seu incensário e puseram neles fogo, e colocaram incenso sobre ele, e ofereceram fogo estranho perante o Senhor, o que não lhes ordenara”. O pecado é especificamente identificado como fogo estranho. A palavra “estrangeiro” (זוּר–zûr) refere-se a algo que é estranho, profano ou não autorizado. É usada para descrever a mulher adúltera (ou seja, a mulher não legalmente autorizada a ter relações com o marido de outra mulher; Provérbios 2:16; 5:3, 20; 6:24; 7:5). Também é usada para descrever homens que não são sacerdotes legais e autorizados (Êxodo 30:33; Levítico 22:12; Números 16:40). O que o tornava estranho, profano ou não autorizado é declarado claramente no final do versículo: — “o que Ele (Yahweh) não lhes ordenara”. Em outras seções das Escrituras, aprendemos que o incenso prescrito só deveria ser queimado usando fogo ou brasas retiradas do altar. Em Levítico 6:13, aprendemos que os sacerdotes deveriam manter o fogo no altar queimando perpetuamente: — “O fogo arderá continuamente sobre o altar; não se apagará”. Em Levítico 16:12, 13, lemos qual fogo deveria ser usado para queimar o incenso santo no Dia da Expiação: — “Tomará também o incensário cheio de brasas de fogo do altar, de diante do Senhor, e os seus punhos cheios de incenso aromático moído, e o levará para dentro do véu. E porá o incenso sobre o fogo perante o Senhor, e a nuvem do incenso cobrirá o propiciatório, que está sobre o testemunho, para que não morra”. Além disso, quando Moisés ordenou a Arão que queimasse incenso e fizesse expiação para deter a praga do julgamento de Deus, ele disse em Números 16:46: — “Toma o teu incensário, e põe nele fogo do altar, e deita incenso sobre ele, e vai depressa à congregação, e faze expiação por eles; porque grande indignação saiu de diante do Senhor; já começou a praga”. As brasas no altar eram brasas santas especiais, pois o fogo havia se originado diretamente de Deus (sinal visível de sua aprovação e presença gloriosa). O fogo havia descido originalmente do céu sobre o altar. Sabemos que o incenso está associado à oração nas Escrituras. O porquê das brasas ter que vir do altar nunca é especificado. Provavelmente tem a ver com o fato de que nossas orações não podem ser reconhecidas e aceitas sem a obra redentora de Cristo. Quando a praga foi detida em Números 16, a expiação teve que ser feita, e então o incenso foi lançado sobre as brasas santas, formando uma nuvem densa. Arão, como um tipo de Cristo, fica entre os vivos e os mortos e coloca uma cobertura (kipper) sobre o povo para protegê-lo da ira de Deus. Jesus expia nossos pecados por sua morte sacrificial, intercede à destra de Deus por nós, e nossas orações são recebidas em nome de Cristo.
Este incidente gerou muita especulação devido à severidade de sua punição. Alguns argumentam que esses homens estavam bêbados, com base em Levítico 10:9, 10: — “Não bebereis vinho nem bebida forte, nem tu nem teus filhos contigo, quando entrardes na tenda da congregação, para que não morrais; estatuto perpétuo será isso entre as vossas gerações; e para fazer diferença entre o santo e o profano e entre o imundo e o limpo”. Segundo a tradição rabínica antiga, Nadabe e Abiú cometeram um sacrilégio ao oficiarem no tabernáculo enquanto estavam intoxicados. Há dois problemas sérios com essa interpretação. [1] – Quando o Espírito Santo especificou a natureza de seu pecado, nada é dito sobre embriaguez ou insinceridade. Eles foram julgados por Deus por inventarem ou criarem uma prática relacionada ao culto a Deus. Fizeram algo não autorizado ou ordenado por Deus. A ideia de que estavam bêbados é pura especulação. Se estivessem bêbados, isso teria sido observável e registrado por Moisés. O julgamento sobre eles foi severo, indicando que Deus realmente queria que Israel (e nós) aprendesse uma lição crucial sobre como se aproximar de Yahweh no culto. Se a lição específica aqui fosse não beber ou ficar bêbado antes de assistir, ou conduzir o culto, então Deus não nos diria isso claramente neste trecho para que todos pudéssemos entendê-lo imediatamente? O ponto ou lição óbvia que ele nos diz explicitamente é: — Eles fizeram algo “que Ele não havia ordenado” (Levítico 10:1). A razão pela qual os homens da Igreja frequentemente especulam sobre embriaguez é o simples fato de que rejeitam a razão clara (inequívoca) dada pelo próprio Yahweh: — Não foi ordenado, autorizado ou prescrito. Eles entendem que, se aceitarem a razão dada pelo texto, devem abandonar todas as suas invenções, inovações e tradições humanas no culto. Tal arrependimento radical e obediência estrita e fiel eles não estão dispostos a fazer. [2] – Uma das razões pelas quais os sacerdotes não deveriam beber bebidas alcoólicas, para serem sóbrios e atentos, está relacionada ao seu ministério de ensino. Não há indicação de que Nadabe e Abiú estavam ensinando durante as festividades. O desenvolvimento de um caráter bíblico disciplinado para conduzir o culto e o ensino é necessário, independentemente de suas ações presunçosas, antibíblicas e descuidadas naquele dia. Embora beber bebidas alcoólicas seja explicitamente proibido ao conduzir seu ministério no tabernáculo, não ignoremos o ensino claro de nosso texto: — Eles fizeram algo na esfera do culto que não foi ordenado por Deus.
Outro argumento é que Nadabe e Abiú ofereceram incenso estranho ou não autorizado, pois a Bíblia ordena uma receita específica para o incenso santo usado no templo e proíbe explicitamente o uso de qualquer outro tipo de incenso (Êxodo 30:34 – 38). Esse argumento é facilmente refutado se considerarmos as seguintes observações. [1] – A queima de incenso nas Escrituras nunca é chamada de oferta de fogo. O propósito do incenso é produzir fumaça, as brasas apenas permitem que o incenso queime. Se o problema fosse incenso estranho, então Moisés teria dito incenso estranho, não fogo estranho. [2] – Que o fogo não autorizado era o problema é indicado pelo julgamento deles: — Eles “ofereceram fogo estranho (ou não autorizado) perante o Senhor, o que não lhes ordenara. Então saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor” (Levítico 10:1, 2). Mesmo uma criança lendo este trecho concluiria que o julgamento correspondeu ao pecado. A maneira pela qual Deus os julgou (por fogo) indica a justa desaprovação de Deus ao uso de fogo não autorizado e não ordenado no culto sagrado.
Há uma lição aqui que é inconfundível se alguém tem ouvidos para ouvir. Enquanto em Levítico 9 contemplamos as grandes bênçãos e benefícios associados a se aproximar de Deus no culto exatamente como Ele ordenou, Levítico 10 nos ensina, solenemente, que Deus não aceita culto inventado, criado, concebido ou inovado pela mente do homem. De fato, é cristalino a partir desta seção das Escrituras que Deus não apenas se recusa a aceitar culto inventado ou inovado, bem como todas as tradições humanas no culto, mas odeia tal culto com um santo ódio. Yahweh, o Deus verdadeiro e vivo a quem servimos por meio de Cristo, não aceita culto voluntário ou culto criado pela mente de homens finitos e pecadores. Deus é tão santo quesó aceita culto que se origina por seu Espírito Santo.
Este ensino é tido como radical em nossos dias, e a imensa maioria dos homens da Igreja — e mesmo muitos cristãos — não está disposta a aceitá-lo; contudo, não há em nosso texto qualquer traço de ambiguidade, obscuridade ou dificuldade. Todo culto que vem da mente do homem é rejeitado, pecaminoso e odiado por Deus. Por que algo tão claro e óbvio é rejeitado por tantas Igrejas e cristãos professos? A resposta está em uma maneira de pensar baseada no humanismo e pragmatismo. A visão comum hoje é que, se um crente é sincero no que ele concebe, e a prática não é explicitamente condenada na Bíblia, então Deus aceitará essa prática e colocará sua aprovação e bênção sobre ela. Além disso, nos dizem, as pessoas amam essas inovações e tradições humanas. Elas atraem muitas pessoas que, de outra forma, não viriam.
Há muitos problemas com tal pensamento.
[1] – A noção de que inovações em Teologia, ética e na forma de se achegar a Deus quanto à salvação são claramente erradas e perigosas, mas que invenções na forma de cultuá-lo seriam boas e aceitáveis, contradiz frontalmente a própria natureza de Deus.
Uma vez que Deus é absolutamente santo e justo; é um fogo consumidor e habita em luz inacessível; a ideia de que podemos criar nossas próprias maneiras de adorar a Deus é absurda à primeira vista. Quando uma pessoa na terra se aproxima de um rei ou rainha em sua corte, ela é obrigada a seguir um certo protocolo. Não deve entrar vestindo bermudas, mascando chiclete ou fumando um cigarro, e é obrigada a se dirigir ao rei ou à rainha de maneira respeitosa. Praticamente todos sabem disso e reconhecem que o respeito pela autoridade, ou por aqueles no poder, exige isso. No entanto, quando se trata de se aproximar de Yahweh no culto, enquanto Ele está sentado em seu trono com o Cordeiro cercado por miríades de santos anjos, nos dizem que praticamente qualquer coisa serve. É óbvio que aqueles que rejeitam o Princípio Regulador do Culto estão considerando o culto de uma perspectiva humanística, antropocêntrica, arbitrária, egoísta e pragmática.
[2] – Não há nada em nosso texto que indique qualquer insinceridade ou motivos malignos por trás da inovação dos filhos de Arão.
Lendo o contexto e a história anterior de Nadabe e Abiú, temos todas as razões para acreditar que eles tinham boas intenções com suas ações naquele dia. Após um serviço de ordenação tão glorioso e uma demonstração tão impressionante do fogo flamejante de Yahweh consumindo o sacrifício que eles acabaram de testemunhar, por que, raciocinaram eles, seria errado, como exemplo de nosso amor, reverência e adoração, oferecer algum incenso com este fogo comum na presença imediata de Deus? Eles haviam sido recentemente consagrados. Estavam vestindo suas vestes sacerdotais especiais. O dia, de fato, era santo. Eles estiveram perto de Deus na montanha, pois o próprio Deus os convidou a subir. O que, pensaram eles, poderia haver de errado com algumas pequenas variações da Lei designada de Deus quanto ao culto de Yahweh? Mas todo esse pensamento humanístico e pragmático não teve efeito algum sobre o Senhor. Deus considerou toda essa sinceridade humanística como pecaminosa e maligna. Portanto, “saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor” (Levítico 10:2). É estranho e ilógico como muitas igrejas reformadas corrompidas, bem como grande parte do evangelicalismo moderno, tratam a questão do culto. Não consideram aceitáveis inovações teológicas, ainda que seus proponentes ocupem posições de autoridade e sejam sinceros em suas convicções. Tais inovações doutrinárias são prontamente rejeitadas — como, de fato, devem ser. Se alguém acrescenta algo arbitrário à ética revelada nas Escrituras, pastores e presbíteros reformados prontamente rejeitam tais adições como humanismo ou legalismo. E se homens da Igreja introduzem acréscimos à doutrina da salvação, tais pessoas são — com razão — imediatamente condenadas e, se necessário, disciplinadas. No entanto, quando se trata do culto ao Deus infinito, santo, único e verdadeiro, Criador de todo o universo, aí sim parece haver lugar para a preguiça, o humanismo, as inovações e as tradições humanas, como se fossem perfeitamente aceitáveis. Aqueles que rejeitam a lição de Nadabe e Abiú são culpados de seguir o mesmo pensamento que os filhos de Arão (uma espécie de pragmatismo humanístico). A permissão de inovações no culto, de acordo com nosso texto e a analogia das Escrituras, revela: — [A] – Uma lamentável ausência do devido senso da majestade, glória e santidade de Yahweh, com quem temos de lidar. Trata-se de uma omissão indesculpável. [B] – Uma falta de consciência apropriada acerca de nossa própria pecaminosidade, corrupção inerente e vileza moral. Não apenas há entre nós e Deus uma distância infinita em natureza e condição — pois somos criaturas finitas e pecadoras —, mas, em virtude dos remanescentes do pecado que ainda habitam em nós, não temos absolutamente nenhum direito de determinar os meios, métodos ou elementos pelos quais nos aproximamos de Deus no culto. [C] – Uma ousadia orgulhosa, carnal e mundana ao nos arrogarmos o direito de inventar deveres sagrados. Quando fixamos nossos olhos em quem Deus é — um fogo consumidor — e em quem nós somos — criaturas caídas, resgatadas unicamente pela graça soberana —, deveria brotar em nós um temor reverente, inseparável de toda aproximação dEle no culto. Contemplar como Deus tratou o culto humanista, pragmático e inventado deveria mover nossas almas a uma postura de profunda cautela, precisão e vigilância espiritual nessa área santa.
[3] – A ideia de que os homens podem criar o que desejarem no culto a Deus, desde que não seja expressamente condenado pelas Escrituras, é inviável historicamente e é uma negação implícita da uniformidade bíblica do culto que é necessária para uma compreensão escriturística da unidade da Igreja.
Se o conteúdo e os elementos do culto forem determinados pelos homens — limitados apenas por proibições explícitas —, então o pragmatismo, a opinião humana, a tradição e a popularidade inevitavelmente expulsarão, com o tempo, o culto bíblico. A história da Igreja, desde a era apostólica até o surgimento do catolicismo romano, atesta de forma contundente essa verdade. O culto simples e regulado da Igreja apostólica, com o passar do tempo, degringolou em pompa vazia, rituais cerimoniais e idolatria manifesta, como se vê no sistema romano. Os Apóstolos de Cristo jamais reconheceriam o culto romano como cristão; antes, o condenariam como idolatria pagã disfarçada de fé. Da mesma forma, à medida que Igrejas reformadas e presbiterianas passaram a redefinir ou abandonar a sola Scriptura, e especialmente o Princípio Regulador do Culto, seu culto afastou-se gradualmente do modelo bíblico — derrapando rumo a uma complexidade humanista e a uma estética moldada pela aceitação popular e mundana.
O Princípio Regulador é necessário e requerido, porque as Escrituras são perfeitas e suficientes, e o homem é caído, pecador e corrupto. Portanto, o homem não deve ser considerado digno de confiança para determinar o que Deus deseja no culto. Deus não precisou fornecer à Igreja do Antigo Testamento uma longa lista de fogos proibidos para uso no culto. Bastou-lhe designar um único tipo de fogo — o que procedia de sua presença —, e isso foi suficiente. O ensino explícito de nosso texto é claro e solene: — tudo quanto Deus não ordena no culto, Ele proíbe. A maioria dos cristãos professos hoje se ofende com esse princípio bíblico crucial e faz tudo o que pode para contorná-lo e evitar suas implicações. Mas Deus, sendo absolutamente santo e justo, não tem o direito de determinar como e com quais elementos e conteúdo o adoramos? Dada a doutrina da sola Scriptura e a da perfeição e suficiência das Escrituras, faz sentido que Deus permita autonomia humana no culto, que Ele fique impressionado com nossas invenções manchadas pelo pecado e centradas em nós mesmos? S.H. Kellogg resume belamente nossas observações até agora. Ele escreve: — “Esta, portanto, é a primeira lição desta trágica ocorrência. Lidamos com um Deus extremamente zeloso, que será adorado conforme sua vontade, ou de modo algum. E não podemos reclamar. Se Deus é o ser que as Sagradas Escrituras nos ensinam, deve ser seu direito inalienável determinar e prescrever como será servido. A segunda lição, quase igualmente clara, é que, para Deus, a intenção de fazer o bem, embora possa atenuar, não justifica a desobediência quando Ele já revelou sua vontade. Ninguém pode imaginar que Nadabe e Abiú tinham más intenções; ainda assim, por seu pecado, morreram. Além disso, somos aqui impressionantemente ensinados que, com Deus, uma alta posição não confere imunidade quando alguém peca; muito menos uma alta posição na Igreja. Pelo contrário, quanto maior a exaltação em honra e privilégio espiritual, mais rigorosamente um homem será responsabilizado por cada falha em honrar aquele que o elevou[5]”.
Note que homens em altas posições na Igreja não podem tornar santo o que é profano por argumentos inteligentes, votação majoritária ou decreto de um bispo. Uma oferta autônoma é uma oferta mundana e pecaminosa. Quando humanos, à parte da revelação de Deus e, portanto, à parte da autoridade divina, impõem suas próprias ideias, tradições ou invenções ao culto de Deus, eles não exaltam Deus, que nunca ordenou tais coisas. Pelo contrário, exaltam o homem e impõem uma forma de tirania religiosa sobre o rebanho. Quando simplesmente seguimos o que Deus ensinou, ordenou ou autorizou em sua Palavra, retemos a simplicidade do culto evangélico e vivemos sob a liberdade do Senhor — livres das doutrinas, mandamentos e ordenanças de homens pecadores e arrogantes. Portanto, nossa Confissão de Fé nos instrui sabiamente, dizendo: — “Deus sozinho é o Senhor da consciência, e a deixou livre das doutrinas e mandamentos dos homens que são, em qualquer coisa, contrários à sua Palavra; ou além dela, em questões de fé e culto. De modo que acreditar em tais doutrinas, ou obedecer a tais mandamentos, por consciência, é trair a verdadeira liberdade de consciência […]” (XX.2). Sobre boas obras, a Confissão diz: — “Boas obras são apenas aquelas que Deus ordenou em sua santa Palavra, e não aquelas que, sem a autorização dela, são concebidas pelos homens, por zelo cego, ou sob qualquer pretexto de boas intenções” (XVI.1). Sobre o culto, a Confissão diz: — “Mas o caminho aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por Ele mesmo, e tão limitado por sua própria vontade revelada, que Ele não pode ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens, ou as sugestões de Satanás, sob qualquer representação visível, ou qualquer outro caminho não prescrito nas Sagradas Escrituras” (XXI.1).
6 – O julgamento de Deus sobre o pecado de Nadabe e Abiú.
A seriedade de seu pecado é indicada pela punição, que foi imediata e mortal. Levítico 10:2 diz: — “Então saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor”. A frase “saiu fogo de diante do Senhor” é exatamente a mesma usada para descrever o que Deus fez aos sacrifícios que haviam sido oferecidos anteriormente. O fogo de julgamento que consumiu o sacrifício substitutivo agora é direcionado aos sacerdotes que ofereceram fogo estranho. Esse fogo veio diretamente de diante do Senhor. Saiu de cima do propiciatório, através do Lugar Santo e então atingiu ambos os inovadores sob sua nuvem de fumaça profana. Eles ofereceram fogo não autorizado (isto é, não ordenado), portanto, quase instantaneamente foram mortos por fogo. O fogo saiu como um relâmpago e os matou no local onde ofereceram fogo estranho. Quando os homens se aproximam de Deus da maneira que Ele prescreveu, o sacrifício é consumido como um sinal de que seu pecado é removido e, assim, o povo é abençoado. Mas quando os homens se aproximam de Deus com suas próprias ideias sobre religião no culto, eles são amaldiçoados por desobediência, autonomia humana e culto voluntário.
Este foi um julgamento público, terrível e assustador de Deus que, de uma perspectiva humana, parece muito severo. Mas devemos comparar este incidente, em certo grau, com o que ocorreu com Ananias e Safira logo após o estabelecimento do Novo Pacto. O Pacto Mosaico acabara de ser estabelecido. A Lei de Deus estava sendo escrita. O sacerdócio arônico acabara de entrar oficialmente em vigor. As instruções para a bênção do Pacto envolviam uma obediência sincera e habitual a tudo o que Deus havia ordenado, sem adicionar ou subtrair (Deuteronômio 4:2; 12:32). O povo havia prometido publicamente obedecer à Lei do Pacto duas vezes (Êxodo 19:8; 24:7). No entanto, aqui, logo após sua ordenação, Nadabe e Abiú estão adicionando sua própria cerimônia ou procedimento inventado ao culto de Deus que não havia sido ordenado. Yahweh estava fazendo, neste caso, um exemplo público de juízo. Esses homens agiram em seu ofício como sacerdotes. Estavam vestindo suas vestes oficiais ou uniformes sacerdotais. Conduziram sua inovação diante do santuário à vista de todo o povo. Se as ações desses homens não fossem tratadas imediatamente e com firmeza, toda a congregação do Senhor teria concluído que o culto voluntário ou inovações humanas no culto são aceitáveis e agradáveis a Deus. Portanto, Yahweh não apenas os atinge imediatamente, mas o faz de maneira chocante e dramática, projetada para identificar seu pecado. Eles foram mortos por fogo, e Moisés instruiu Arão e todo o povo que isso ocorreu porque o fogo que eles usaram não havia sido autorizado ou ordenado por Deus. Tenha em mente que, quando Deus estava no meio de estabelecer as regras ou princípios relacionados ao que é permitido no culto para todas as gerações futuras, Nadabe e Abiú estavam ensinando por exemplo público exatamente o oposto. Rushdoony chama suas ações de sacrilégio. Ele escreve: — “Aqui temos um exemplo de sacrilégio. Sacrilégio é o roubo direcionado contra Deus; é uma tentativa de violar sua soberania e apropriar-se do que pertence a Deus para o serviço do homem, ou de misturar as prerrogativas de Deus com a vontade humana. Deus não apenas reivindica nossas primícias e dízimos, mas também a nós mesmos e nossa vontade como seus para comandar. Somos propriedade e posse de Deus; fomos criados para seus propósitos, e não para os nossos. Não nos é dito que Nadabe e Abiú fizeram o que Deus havia proibido, mas o que ele não havia ordenado. Recebemos as leis da santidade, e nada que possamos fazer ou adicionar à Palavra–Lei de Deus pode aumentar nossa santidade; a autonomia, literalmente autolei, apenas nos torna profanos[6]”.
Essa ira pública vindicou a honra e santidade próprias de Deus. O Senhor é desonrado pelo culto humanístico centrado no homem. A nuvem de incenso que deveria ter sido um aroma agradável era um fedor profano e maligno porque foi acesa por brasas não autorizadas. O Senhor a quem servimos é um fogo consumidor.
Pode a reforma vir quando o culto de Deus é tratado como um show da Broadway e os homens veem o culto como algo que deve agradar o homem pecador? Se os homens considerassem o Nome de Deus como santo, encheriam o culto com truques humanísticos e nonsense[7] que agrada aos pagãos? No céu, os anjos entendem a santidade de Deus. Lá, sua reverência por Yahweh é total. Os anjos mais próximos de Deus devem cobrir seus rostos por causa da imensa glória do Senhor, mas os homens vêm a Deus no culto hoje com shows de marionetes, grupos de teatro, pastores comediantes e bandas de rock. Não há preocupação com o que agrada a Deus, mas apenas com o que agrada aos homens. O culto ordenado por Deus nas Escrituras é descartado como lixo sem valor, enquanto os homens se parabenizam por suas inovações inteligentes que enchem os bancos. Quando os homens declaram suas invenções carnais como santas e agradáveis a Deus, embora tais coisas não sejam ordenadas e, portanto, obviamente não possam ser santas, eles, em princípio, estão participando de uma espécie de idolatria. Eles honram a criatura em vez do Criador. Sempre mantenha em mente a santidade de Deus, sua gloriosa transcendência. Ele habita em luz inacessível. Você realmente acredita que tal ser fica impressionado com suas invenções humanísticas em relação ao culto? Se estudarmos cuidadosamente as Escrituras e meditarmos em oração sobre a majestade incompreensível e a santidade tremenda de Deus, então o buscaremos unicamente como Ele mesmo ordenou.
A severa punição aqui é destinada a nos ensinar a levar a sério o princípio ou regra principal de Deus para o culto a si mesmo. Isso é absolutamente fundamental para manter a pureza do culto e a fidelidade pactual ao longo do tempo. Uma vez que o Princípio Regulador do Culto é permitido ser violado, nada impede que uma montanha de corrupções entre com o passar do tempo. A Igreja de Cristo é uma instituição muito antiga, com quase 2000 anos. Se algo não ordenado por Deus passa a ser aceito a cada vinte anos, então, ao longo dos séculos, centenas de inovações que Deus abomina serão permitidas e florescerão livremente. Pense na Igreja papal, por exemplo. Eles têm uma montanha de tradições humanas corrompendo seu culto: — água benta, fazer o sinal da cruz, genuflexão, orações pelos mortos, bem como orações a Maria e aos santos; o uso de incenso, instrumentos musicais, dias santos criados pelo homem, a proibição de carne, celibato, extrema–unção, a missa, relíquias, velas, cruzes, sete sacramentos, penitência, confissão a um sacerdote, peregrinações, purgatório, limbo, o papado e a prelazia. Embora algumas dessas coisas sejam claramente proibidas, muitas só podem ser condenadas pelo Princípio Regulador do Culto.
7 – Continuação do julgamento e suas implicações.
Infelizmente, Israel não aprendeu a lição deste julgamento chocante por fogo. Eles sincretizaram seu culto com paganismo quase imediatamente e se enredaram com idolatria. O reino do norte adotou ritos sagrados não ordenados, dias santos não autorizados e um novo sacerdócio não levítico (completamente inventado). Deus destruiria o reino do norte em 722 a.C. A história do Antigo Testamento, bem como a história da Igreja cristã, nos ensina de modo claro e repetido que a natureza pecaminosa — mesmo entre o povo professamente de Deus — é fortemente inclinada às inovações e tradições humanas. Há em nós uma tendência remanescente ao culto voluntarista que deve ser vigorosamente combatida e sufocada em sua raiz. Igrejas reformadas que quebraram seus pactos e corromperam seu culto com entulho papista — como os dias santos não ordenados; métodos cerimoniais do culto judaico já ab–rogados, como o uso de instrumentos musicais no culto público; e hinos não–autorizados de composição humana e não–inspirada — defendem suas corrupções com paixão e até com ira, dizendo: — “Como ousas exigir prova nas Escrituras? Quem pensas que és para desafiar nossas tradições estimadas?”. Devemos compreender com clareza: — corrupções ou permissões de tradições humanas no culto caminham lado a lado com o abandono progressivo da doutrina bíblica de que os mestres e governantes da Igreja têm somente autoridade ministerial, e não legislativa. Pois, se os homens podem inventar elementos, conteúdos, cerimônias ou dias santos relacionados ao culto, então por que não aplicar também o pragmatismo humano e suas inovações à ética cristã e à disciplina eclesiástica?
A destruição de Israel e o cativeiro babilônico curaram a nação do sincretismo com o culto baalita e a idolatria, mas seu amor pela autonomia humana simplesmente tomou outras direções. Na época em que nosso Senhor andou na terra, o povo estava sobrecarregado com uma massa de tradições rabínicas adicionadas à Lei (uma sobreposição autônoma e humanística sobre a ética e o culto bíblicos) que fazia os homens desconsiderarem e não obedecerem aos mandamentos de Deus (Mateus 15:6). Aprenda a lição da história: — “Todo culto voluntário, em toda a sua infinita variedade de formas, tende a confundir a consciência, ao confundir os mandamentos de Deus com as práticas e tradições dos homens; e toda a história, não menos da Igreja do que de Israel, mostra que a tendência de todo esse culto voluntário é à subversão tanto da moralidade quanto da religião, ocasionando, muitas vezes, uma total incompreensão quanto ao que realmente é a essência da religião agradável a Deus[8]”.
O Senhor enfatizou esse julgamento pela remoção pública dos corpos mortos. Os dois homens agora eram cadáveres que profanavam o lugar santo. A natureza sobrenatural e dirigida por Deus do julgamento é ainda mais indicada pelo fato de que as vestes sacerdotais foram deixadas sem qualquer marca de queimadura. As roupas ou uniformes foram ordenados, mas os homens eram culpados, e o fogo atingiu apenas os culpados. Os primos de Arão, Misael e Elzafã (Levítico 10:4), foram instruídos a remover os corpos mortos e levá-los para fora do acampamento. Seus corpos mortos eram sinais do julgamento que vem sobre a autonomia humana e a quebra do Pacto — “Um profeta poderia ter apontado Israel adiante, daquela cena triste, para o dia vindouro de vergonha e vingança. ‘Eles sairão, e olharão os cadáveres dos homens que transgrediram contra mim. Pois seu verme não morre, e seu fogo não se apaga. Eles serão uma abominação para toda a carne’” (Isaías 66:24)[9].
Tais julgamentos instantâneos são raros nas Escrituras, onde o pecador culpado não é confrontado por outros crentes ou autoridades da Igreja e dado a oportunidade de buscar a Deus em oração, arrepender-se e confessar, dizendo: — “Senhor, pequei. Reconheço meu pecado e o abandono; tem misericórdia de mim”. Seu pecado foi tão sério e público que foram instantaneamente atingidos com morte súbita.
8 – A razão de Deus por trás deste julgamento especial.
Em Levítico 10:3, somos informados da explicação de Deus para a severidade e imediatismo do julgamento: — “E disse Moisés a Arão: — ‘Isto é o que o Senhor falou, dizendo: — Serei santificado naqueles que se chegarem a mim, e serei glorificado diante de todo o povo’”. Este foi um julgamento triste e devastador para Arão, que acabara de perder seus filhos primogênito e segundo nascido. Logo após esse julgamento, Moisés e Arão se aproximaram dos corpos mortos e olharam para eles. Moisés, o grande líder e profeta que frequentemente recebia revelações diretas de Deus, disse a Arão e ao povo como Deus queria que interpretassem o que acabara de ocorrer. O ponto que Yahweh faz é iluminador. Deus deve ser buscado apenas por meio da forma que Ele mesmo instituiu, ordenou e autorizou, pois Ele é santo. Entre os pagãos, o conceito de santidade era externo e quase mecânico. Os sacerdotes pagãos podiam fazer o que quisessem porque haviam sido separados ritualmente para seus deveres. Mas o conceito bíblico de santidade inclui a perfeição ética de Deus. Por Deus ser absolutamente santo, perfeito, transcendente e justo, Ele é a fonte da verdadeira ética, doutrina e culto, não o homem finito e pecador. Ir além da palavra de Deus e criar suas próprias regras de abordagem no culto é não honrar, reverenciar ou obedecer a Deus. Buscar melhorar o culto de Deus, adicionando inovações humanas a ele, é desonrar o que Deus ordenou como insuficiente e imperfeito. É agir como Eva em sua desobediência no jardim, abraçando a autonomia humana ou autolei.
Um dos propósitos centrais do culto bíblico é glorificar a Deus e proclamar ao mundo a sua transcendência e unicidade. Já o culto humanístico — ao acrescentar ou retirar da palavra de Deus — opera em sentido oposto, obscurecendo sua glória e profanando sua santidade. Ele honra e glorifica o homem pecador. Tal filosofia humanística é a principal fonte do farisaísmo e do romanismo. O povo pactual deve ser humilde e depender exclusivamente de Deus para ética, culto e doutrina. Por sua obediência habitual à Lei moral de Deus e uma obediência cuidadosa e exata ao se aproximar de Yahweh no culto (fazendo apenas o que Ele ordenou ou autorizou), o povo pactual deve reconhecer e declarar a santidade de Deus perante o mundo. A obediência é um sinal de fé. Ela revela uma satisfação, contentamento, confiança e aprovação do culto evangélico puro, simples e verdadeiro. Calvino escreve: — “Se refletirmos quão santa é a coisa que é o culto de Deus, a enormidade da punição de forma alguma nos ofenderá. Além disso, era necessário que sua religião fosse sancionada em seu próprio início; pois se Deus tivesse permitido que os filhos de Arão transgredissem com impunidade, eles teriam depois negligenciado descuidadamente toda a Lei. Esta, portanto, foi a razão para tamanha severidade, para que os sacerdotes vigiassem ansiosamente contra toda profanação[10]”.
Jeremiah Burroughs captura belamente o ponto da declaração de Moisés a Arão: — “‘Arão, embora eu reconheça que a mão de Deus pesa sobre você hoje, é justo que você se submeta a Ele. É apropriado que Deus seja glorificado, independentemente do que lhe aconteça. Você é precioso para Deus, mas o Nome de Deus é ainda mais precioso para Ele do que você. Independentemente das vidas de seus filhos, é justo que Deus seja honrado e seu Nome santificado, não importa o que ocorra com seus filhos ou seus consolos; portanto, que seu coração se aquiete. Você sofreu uma grande perda e aflição, mas Deus recebeu glória. Deus glorificou a si mesmo’. Como Deus glorificou a si mesmo? De maneira significativa, pois, por meio desse julgamento, Deus realizou um ato que fez todo o povo da terra temê-lo, levando-os a adorá-lo com toda reverência. Todo o povo da terra, ao ver e ouvir sobre esse julgamento, aprenderá para sempre a temer e reverenciar esse Deus. Eles dirão: — ‘Como nos apresentaremos diante desse Deus santo? Precisamos ter cuidado em sua presença e adorá-lo conforme Ele deseja ser adorado’. É como se Moisés dissesse: — ‘Esta honra que Deus obteve, gravando-se nos corações do seu povo por este meio, deves considerá-la bem maior do que as vidas de teus filhos, sejam eles quem forem’. Esse é o propósito do discurso de Moisés a Arão[11]”.
A Lei do Pacto era clara. Tudo feito no culto tinha que ser ordenado. Não há nada ambíguo ou difícil sobre a sola Scriptura, ou o Princípio Regulador do Culto. Quando Nadabe e Abiú ofereceram fogo estranho ou não autorizado, eles estavam violando a Lei do Pacto e agindo publicamente em claro desafio a Deus. Adicionar suas próprias ideias, elementos ou conteúdo ao culto de Deus é um ato de rebelião flagrante, pois, não apenas é uma clara violação do que Deus ordenou, mas também é uma negação implícita da santidade e glória única de Deus. O que Yahweh nos diz por meio de Moisés é que a maneira como nos aproximamos dEle no culto não é arbitrária, mas está enraizada na sua própria natureza. Se o culto fosse puramente circunstancial e, portanto, pudesse ser moldado pela cultura de alguém ou pelas tradições queridas de alguém, então Deus obviamente não se ofenderia com invenções humanas. Além disso, se alguém pensa que a punição de Deus sobre Nadabe e Abiú foi muito severa ou dura, então ele não entende da santidade e justiça de Deus. R.C. Sproul explica: — “Como conciliamos esta narrativa com o que Gênesis ensina anteriormente sobre o caráter da justiça de Deus? Gênesis afirma que o juiz de todos fará o que é certo (Gênesis 18:25). A suposição básica de Israel é que os julgamentos de Deus são sempre de acordo com a justiça. Sua justiça nunca é injusta, nunca caprichosa, nunca tirânica. É impossível para Deus ser injusto, porque sua justiça é santa[12]”.
A principal aplicação do ensino de Deus por meio de Moisés em Levítico 10:3 é dada ao sacerdócio ou à liderança eclesiástica. Os homens que são santos e separados para Deus para ofertar e ensinar são julgados por um padrão muito alto. Espera-se que executem as instruções de Deus referentes ao culto exatamente como foram ordenadas por Ele, sem desviar para a direita nem para a esquerda. Devem cumprir fielmente cada jota e cada til da Palavra inspirada, sem negligenciar nenhum preceito, tampouco inventar novos modos, caminhos, tradições ou formas de culto. Deus exige uma obediência pronta, sincera e integral aos seus mandamentos, sem diluir ou obscurecer o que foi revelado por meio de invenções humanas ou por ignorância voluntária.
O Antigo Testamento está repleto de severas advertências que reforçam este princípio com firmeza inexorável. Em Números 20, Moisés foi proibido de entrar na terra prometida porque, ao ser ordenado por Deus que falasse à rocha diante de Israel para dela sair água, preferiu golpeá-la com a sua vara. Na palavra de Deus: — “Porquanto não crestes em mim, para me santificardes diante dos filhos de Israel, por isso não introduzireis esta congregação na terra que lhes tenho dado” (Números 20:12). Moisés deixou de cumprir a ordem divina, substituindo-a por sua própria ação ou julgamento, ato que revela a raiz do problema: — a falta de fé e a recusa em honrar a santidade do Senhor. Essa advertência ecoa com vigor em todo o desígnio do culto. Outro exemplo pungente é Uzá, amigo do rei Davi, que ao tentar estabilizar a Arca de Deus estendeu a mão e tocou-a, sendo mortalmente ferido por isso (2 Samuel 6:7). Embora piedoso, Uzá tornou-se exemplo público de desobediência, por ignorar a palavra do Senhor e o procedimento ordenado por Moisés (1 Crônicas 15:13 – 15). Este episódio revela o Princípio Regulador do Culto: — Nele não há espaço para pragmatismo, inovação ou concessão aos caprichos humanos. O que aos olhos humanos possa parecer correto ou desejável é irrelevante diante da ordem sagrada. Tradição e criatividade humanas jamais podem ser fonte legítima de autoridade no culto divino. Tudo o que não se fundamenta nas Escrituras é profano, inaceitável e pecaminoso. Como afirma a Confissão Belga: — “Devemos nos satisfazer com as ordenanças que Cristo e os Apóstolos nos ensinaram” (Artigo 35). Assim, rejeitamos todas as invenções humanas e quaisquer leis que o homem queira introduzir no culto de Deus, que prendam e imponham as consciências de qualquer forma.
9 – Implicações para hoje.
A implicação de tudo isso, para os nossos dias, é manifesta e incontornável. Todos os ministros e presbíteros devem manter-se vigilantes contra qualquer inovação no culto que ouse adentrar a Igreja do Senhor. Como supervisores do rebanho de Deus, cumpre-lhes zelar para que somente o que foi ordenado por Ele seja praticado no santo ajuntamento. Os primeiros presbiterianos dos tempos da Primeira e da Segunda Reforma foram diligentes e fiéis nesse dever sagrado. Com zelo piedoso, purgaram da Igreja todas as tradições pagãs e romanistas que haviam-se infiltrado ao longo dos doze séculos anteriores.
Práticas como o uso de incenso e de instrumentos musicais — ambos elementos levíticos e cerimoniais, próprios da antiga dispensação — foram abolidas. Dias santos forjados por mãos humanas, tais como a Quaresma, o Natal, a Páscoa, a Quarta-feira de Cinzas e outros, foram rejeitados como invenções não ordenadas por Deus; e qualquer um que os praticasse era submetido à disciplina eclesiástica. Ritos supersticiosos como o sinal da cruz e o uso da água benta foram deixados para trás, como sombras profanas que não têm lugar no culto espiritual da Nova Aliança.
A rejeição de toda tradição humana no culto divino encontra clara expressão no “First Book of Discipline (Primeiro Livro de Disciplina)” (1560), que condena a missa, a invocação dos santos, a veneração de imagens e a observância de todos os dias santos e festas “que os papistas inventaram”, bem como “toda honra a Deus não contida em sua santa Palavra”. Essas vitórias foram solenemente ratificadas no “National Covenant (Pacto Nacional)” de 1580, com o intuito de consolidar as conquistas reformadas e de preservá-las intactas para as gerações futuras, contra toda forma de regressão ou corrupção. A Segunda Reforma, em 1638, concordou com as reformas anteriores e na Assembleia Geral de Glasgow, aboliu totalmente a prática do calendário cristão ou dias santos criados pelo homem “porque não são ordenados nem garantidos pelas Escrituras” (Ato sessão 17). A posição da Igreja Escocesa e dos puritanos na Inglaterra é bem representada pelas respostas às perguntas 107 e 108 no Catecismo Maior de Westminster: — “Os pecados proibidos no Segundo Mandamento consistem em todo planejamento, aconselhamento, ordenação, uso ou, de qualquer modo, aprovação de qualquer culto religioso que não tenha sido instituído pelo próprio Deus. Os deveres requeridos neste mandamento abrangem a recepção, observância e manutenção puras e integrais de todo culto religioso e ordenanças conforme Deus as estabeleceu em sua Palavra; em particular, a oração e ação de graças em nome de Cristo; a leitura, pregação e escuta da Palavra; a administração e recepção dos sacramentos; o governo e disciplina da Igreja; o ministério e sua sustentação; o jejum religioso; o juramento pelo nome de Deus e a confissão de votos a Ele; assim como a desaprovação, detestação e oposição a todo culto falso; e, conforme o lugar e chamado de cada um, a remoção desse culto e de todos os monumentos de idolatria”.
A aplicação do caso de Nadabe e Abiú, feita pelo próprio Deus, suscita uma questão grave e pertinente: — Estarão os presbíteros e pastores presbiterianos e reformados modernos firmes como guardiães do culto puro, conforme a clara exigência da Palavra divina em nossos dias? Com poucas exceções — como a Igreja Presbiteriana Livre da Escócia, a Igreja Livre Continuada, o Presbitério Reformado (Steelitas), a Igreja Presbiteriana de Westminster e algumas Igrejas reformadas independentes — a resposta é negativa. O Princípio Regulador do Culto foi em grande parte abandonado, cedendo lugar a um culto de vontades humanas e pragmatismo — como se observa na Igreja Presbiteriana Ortodoxa, na Igreja Presbiteriana na América e nas diversas comunhões reformadas conservadoras holandesas e alemãs — ou mantido de forma inconsistente, como na Igreja Presbiteriana Reformada da América do Norte. Em termos gerais, pode-se afirmar que as Igrejas presbiterianas “conservadoras” contemporâneas têm demonstrado maior zelo em preservar tradições humanas e inovações recentes do que em sustentar exclusivamente o que Deus ordenou. Hoje, não há um real esforço para aplicar o Princípio Regulador do Culto, pois, no culto público, a sola Scriptura foi substituída pelo pragmatismo e pelo apego às tradições humanas. Por isso, o culto na vasta maioria das Igrejas reformadas não difere substancialmente das práticas de Igrejas evangélicas arminianas, que jamais conheceram o Princípio Regulador.
Em tais Igrejas, a grande parte dos fiéis se satisfaz plenamente com suas tradições humanas e corrupções não ordenadas. Ademais, quando surge um homem de Deus que se opõe ao culto de vontades humanas e busca restaurar os padrões da Confissão de Westminster e dos Pactos, é tratado como insensato e iludido.
O culto nas Igrejas reformadas encontra-se, assim, comprometido e corrompido; tais acréscimos humanos foram tolerados por tanto tempo que já não são mais considerados pecado por muitos presbiterianos professos. Contudo, essa postura frouxa, profana, autônoma e pagã diante do culto deve ser veementemente rejeitada.
O episódio do fogo estranho, ou não autorizado, nos ensina que Yahweh, nosso Deus da Aliança, infinitamente santo, cuida profundamente de como nos aproximamos dEle no culto. Ele é zeloso de seu santo nome e rejeita enfaticamente tudo que não está autorizado pela Escritura.
A atitude moderna para com o culto não é reverente, respeitosa ou fiel; tem muito em comum com a abominável Igreja papal. Se os líderes eclesiásticos não cumprirem uma das tarefas mais essenciais do seu ministério — guardar com zelo a pureza do culto —, a Igreja inevitavelmente derivará rumo a Roma.
Diante de nós está a escolha decisiva: — autonomia humana ou teonomia divina.
Paz e graça.
Pr. Dr. Plínio Sousa[13].
[1] – Por Brian Schwertley (2021).
[2] – Gordon J. Wenham, The Book of Leviticus (Grand Rapids: Eerdmans, 1979), p. 141.
[3] – Ibid., 143.
[4] – R.K. Harrison, Leviticus: An Introduction and Commentary (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1980), p. 100.
[5] – S.H. Kellogg, The Book of Leviticus (Minneapolis: Klock & Klock, [1899] 1978), p. 240 – 241.
[6] – R.J. Rushdoony, Leviticus (Vallecito, CA: Ross House Books, 2005), p. 95 – 96.
[7] – Algo sem sentido, absurdo, tolice, disparate.
[8] – S.H. Kellogg, The Book of Leviticus, p. 245 – 246.
[9] – Andrew Bonar, A Commentary on Leviticus (Carlisle, PA: Banner of Truth, [1846] 1989), p. 197.
[10] – John Calvin, (Grand Rapids: Baker, 1980), 3:431.
[11] – Jeremiah Burroughs, Gospel Worship or The Right Manner of Sanctifying the Name of God in General (Ligonier, PA: Soli Deo Gloria [1648] 1990), p. 10 – 11.
[12] – R.C. Sproul, The Holiness of God (Wheaton, IL: Tyndale, 1985, 98), p. 103 – 104.
[13] – Tradutor: — notas e significações.
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