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Livro I — Capítulo 20.

“Procura tempo oportuno para cuidar de ti e relembra amiúde [frequentemente] os benefícios de Deus”. Renuncia às curiosidades e escolhe leituras tais, que mais sirvam para te compungir, que para te distrair. “Se te abstiveres de conversações supérfluas e passeios ociosos, como também de ouvir novidades e boatos, acharás tempo suficiente e adequado para te entregares a santas meditações”. Os maiores santos evitavam, quando podiam, a companhia dos homens, preferindo viver com Deus, em retiro.

Disse alguém: — “Sempre que estive entre os homens menos homem voltei” (Sêneca, Epístola 7). Isso experimentamos muitas vezes, quando falamos muito. Mas fácil é calar de todo, do que não tropeçar em alguma palavra. Mas fácil é ficar oculto em casa, que fora dela ter a necessária cautela. Quem, pois, pretende chegar à vida interior e espiritual, importa-lhe que se afaste da turba (aglomeração, multidão), com Jesus. “Ninguém, sem perigo, se mostra em público, senão quem gosta de esconder-se. Ninguém seguramente fala, senão quem gosta de calar. Ninguém seguramente manda, senão o que perfeitamente aprendeu a obedecer”.

“Não pode haver alegria segura, sem o testemunho de boa consciência”. Contudo, a segurança dos santos estava sempre misturada com o temor de Deus; nem eram menos cuidadosos e humildes em si mesmos, porque resplandeciam em grandes virtudes e graças. A segurança dos maus, porém, nasce da soberba e presunção, e acaba por enganar-se a si mesma. “Nunca te dês por seguro nesta vida, ainda que pareças bom religioso ou ermitão devoto”.

“Muitas vezes os melhores no conceito dos homens correram graves perigos, por sua demasiada confiança”. Por isso, para muitos é melhor não serem de todo livres de tentações, mas que sejam frequentemente combatidos, para que não confiem demasiadamente em si, nem se exaltem com soberba, nem tampouco busquem com ânsia as consolações exteriores. “Oh! Quem nunca buscasse alegria transitória, nem deste mundo cuidasse, que consciência pura teria! Oh! Quem arredasse todo vão cuidado, para só cuidar das coisas salutares e divinas, pondo toda a sua confiança em Deus, de que grande paz e sossego gozaria!”.

Ninguém é digno da consolação celestial, senão quem se excitar, com diligência, na santa compunção. Se queres compungir-te de coração, entra em teu quarto, despede todo o bulício (burburinho, inquietação) do mundo, conforme está escrito: — “Compungi-vos em vossos cubículos” (Salmos 4:5). Na cela acharás o que fora dela muitas vezes perdes. A cela (diminuto quarto de dormir ou nos conventos, aposento de um religioso) bem guardada causa doçura, e pouco frequentada gera enfado. Se bem a guardares e habitares no princípio de tua conversão, ser-te-á depois querida companheira e suavíssimo consolo.

“No silêncio e sossego faz progressos uma alma devota e aprende os segredos das Escrituras”. Ali ela acha a fonte de lágrimas, com que todas as noites se lava e purifica, para tanto mais de perto unir-se ao Criador quanto mais retirada viver do tumulto do mundo. Aquele, pois, que se aparta de seus amigos e conhecidos verão aproximar-se Deus com seus santos anjos. “Melhor é estar solitário e tratar de sua alma, que, descurando-a, fazer milagres”.

“Merece louvor o religioso que raro sai, que foge de ser visto pelos homens e nem procura vê-los”.

Para que queres ver o que não te é lícito possuir? Passa o mundo e a sua concupiscência (1 João 2:17). A inclinação sensual convida a passeios; passada, porém, àquela hora, que nos fica senão consciência pesada e coração distraído? À saída alegre, muitas vezes sucede um regresso triste, e à véspera deleitosa uma triste manhã. Assim, todo gosto carnal entra suavemente; no fim, porém, remorde e mata. Que poderás ver alhures (em alguma parte) que aqui não vejas? Eis: — “aqui tens o céu, a terra e todos os elementos; e deles são feitas todas as coisas”.

Que poderás ver, em parte alguma, estável debaixo do sol por muito tempo? Pensas talvez te satisfazer completamente? Pois não o conseguirás. Se visses diante de ti todas as coisas, que seria senão vã fantasia? “Levanta os olhos a Deus nas alturas e pede perdão de teus pecados e negligências”. Deixa as vaidades para os fúteis; tu, porém, atende ao que Deus te manda. Fecha atrás de ti a porta e chama a teu Jesus amado. Fica-te com Ele em tua cela (quarto), porque tanta paz em outra parte não acharás. Se não tivesses saído, e escutado os rumores do mundo, melhor terias conservado a santa paz; enquanto folgares (afrouxares) de ouvir novidades, terás que sofrer desassossego do coração.

Paz e graça.
Pr. Me. Plínio Sousa.

[1] – Tomás de Kempis, 1380 – 1471, Imitação de Cristo, p. 18 – 19.

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