Livro II — Capítulo 12.
A muitos parece dura esta palavra: — “Renuncia a ti mesmo, toma a tua cruz e segue a Jesus Cristo” (Mateus 16:24). Muito mais duro, porém, será de ouvir aquela sentença final: — “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno” (Mateus 25:41). Pois os que agora ouvem e seguem, docilmente, a palavra da cruz não recearão então a sentença da eterna condenação. Este sinal da cruz estará no céu, quando o Senhor vier para julgar. Então todos os servos da cruz, que em vida se conformam com Cristo crucificado, com grande confiança chegar-se-ão a Cristo juiz.
Por que temes, pois, tomar a cruz, pela qual se caminha ao reino do céu? “Na cruz está a salvação, na cruz a vida, na cruz o amparo contra os inimigos, na cruz a abundância da suavidade divina, na cruz a fortaleza do coração, na cruz o compêndio das virtudes, na cruz a perfeição da santidade”. Não há salvação da alma nem esperança da vida, senão na cruz. “Toma, pois, a tua cruz, segue a Jesus e entrarás na vida eterna”. O Senhor foi adiante, com a cruz às costas, e nela morreu por teu amor, para que tu também leves a tua cruz e nela desejes morrer. Porquanto, “se com Ele morreres, também com Ele viverás. E, se fores seu companheiro na pena, também o serás na glória”.
Verdadeiramente, da cruz tudo depende, e em morrer para si mesmo está tudo; não há outro caminho para a vida e para a verdadeira paz interior, senão o caminho da santa cruz e da contínua mortificação. Vai para onde quiseres, procura quanto quiseres, e não acharás caminho mais sublime em cima nem mais seguro embaixo que o caminho da santa cruz. Dispõe e ordena tudo conforme teu desejo e parecer, e verás que sempre hás de sofrer alguma coisa, bom ou mau grado teu; o que quer dizer que sempre haverás de encontrar a cruz. Ou sentirás dores no corpo, ou tribulações no espírito.
Ora serás desamparado de Deus, ora perseguido do próximo, e o que é pior não raro serás molesto a ti mesmo. E não haverá remédio e nem conforto que te possa livrar ou aliviar; cumpre que sofras quanto tempo Deus quiser. “Pois Deus quer ensinar-te a sofrer a tribulação sem alívio, para que de todo te submetas a Ele e mais humilde te faças pela tribulação”. Ninguém sente tão vivamente a paixão de Cristo como quem passou por semelhantes sofrimentos. A cruz, pois, está sempre preparada e em qualquer lugar te espera. Não lhe podes fugir, para onde quer que te voltes, pois em qualquer lugar a que fores, te levarás contigo e sempre encontrarás a ti mesmo. Volta-te para cima ou para baixo, volta-te para fora ou para dentro, em toda parte acharás a cruz; e é necessário que sempre tenhas paciência, se queres alcançar a paz da alma e merecer a coroa eterna.
“Se levares a cruz de boa vontade, ela te há de levar e conduzir ao termo desejado, onde acaba o sofrimento, posto que não seja neste mundo”. Se a levares de má vontade, aumenta-lhe o peso e fardo maior te impões; contudo é forçoso que a leves. Se rejeitares uma cruz, sem dúvida acharás outra, talvez mais pesada.
Pensas tu escapar àquilo de que nenhum mortal pôde eximir-se? Que santo houve no mundo sem tribulação? Nem Jesus Cristo, Senhor Nosso, esteve uma hora, em toda a sua vida, sem dor e sofrimento. Convinha, disse Ele, que Cristo sofresse e ressurgisse dos mortos, e assim entrasse na sua glória (Lucas 24:26). Como, pois, buscas tu outro caminho que não seja o caminho real da santa cruz?
“Toda a vida de Cristo foi cruz e martírio; e tu procuras só descanso e gozo? Andas errado, e muito errado, se outra coisa procuras e não sofrimentos e tribulações; pois toda esta vida mortal está cheia de misérias e assinalada de cruzes”. E quanto mais uma pessoa faz progressos na vida espiritual, tanto maiores cruzes encontra, muitas vezes, porque o amor lhe torna o exílio mais doloroso.
Mas, apesar de tantas aflições, o homem não está sem o alívio da consolação, porque sente o grande fruto que lhe advém à alma pelo sofrimento da cruz. Pois, quando de bom grado a toma às costas, todo o peso da tribulação se lhe converte em confiança na divina consolação. E quanto mais a carne é cruciada [martiriza] pela aflição, tanto mais se fortalece o espírito pela graça interior. “E, às vezes, tanto se fortalece, pelo amor das penas e tribulações que, para conformar-se com a cruz de Cristo, não quisera estar sem dores e sofrimentos, pois julga ser tanto mais aceito a Deus, quanto mais e maiores males sofre por seu amor”. Não é isto virtude humana, mas graça de Cristo, que tanto pode e realiza na carne frágil, que o espírito com ardor abraça e ama o que a natureza aborrece e foge.
Não é conforme à inclinação humana levar a cruz, amar a cruz, castigar o corpo e impor-lhe sujeição, fugir às honras, aceitar as injúrias, desprezar-se a si mesmo e desejar ser desprezado, suportar as aflições e desgraças e não almejar prosperidade alguma neste mundo. Se olhares somente a ti, reconheces que de nada disso és capaz. Mas, “se confiares em Deus, do céu te será concedida a fortaleza, e sujeitar-se-ão ao teu mando o mundo e a carne”. Nem o infernal inimigo temerás, se andares escudado na fé e armado com a cruz de Cristo.
Portanto, como bom e fiel servo de Cristo, dispõe-te a levar a cruz do teu Senhor, por teu amor crucificado. Prepara-te a sofrer muitos contratempos e incômodos nesta vida miserável, pois em toda a parte, onde quer que estiveres, ou te esconderes, os encontrarás. “Convém que assim seja e não há outro remédio contra a tribulação da dor e dos males senão sofrê-los com paciência”. Bebe, generoso, o cálice do Senhor, se queres ser seu amigo e ter parte com Ele. Entrega a Deus as consolações, para Ele dispor delas como lhe aprouver. Tu, porém, dispõe-te a suportar as tribulações e considera-as como as consolações mais preciosas, porquanto não têm proporção as penas do tempo com a glória futura (Romanos 8:18) que havemos de merecer, ainda que tu só as devesses sofrer todas.
“Quando chegares a tal ponto que a tribulação te seja doce e amável por amor de Cristo, dá-te por feliz, pois achaste o paraíso na terra”. Enquanto o padecer te é molesto e procuras fugir-lhe, andas mal, e em toda parte te persegue o medo da tribulação.
Se te resolveres ao que deves, isto é, a padecer e morrer, logo te sentirás melhor e acharás paz. Ainda que fosses arrebatado, com São Paulo, ao terceiro céu, nem por isso estarias livre de sofrer alguma contrariedade. Eu, diz Jesus, mostrar-lhes-ei quanto terá de sofrer por meu nome (Atos 9:16). Não te resta, pois, senão sofrer se pretendes amar e servir a Jesus para sempre.
Oxalá fosses digno de sofrer alguma coisa pelo nome de Jesus! Que grande glória resultaria para ti, que alegria para os santos de Deus, e que edificação para o próximo! Pois todos recomendam a paciência, ainda que poucos queiram praticá-la. “Com razão devias padecer, de bom grado, este pouco por amor de Cristo, quando muitos sofrem pelo mundo coisas incomparavelmente maiores”.
Fica sabendo e tem por certo que tua vida deve ser uma morte contínua, e quanto mais cada um morre a si mesmo, tanto mais começa a viver para Deus. Só é capaz de compreender as coisas do céu quem por Cristo se resolve a sofrer toda adversidade. “Nada neste mundo é mais agradável a Deus nem mais proveitoso a ti, que o sofrer, de bom grado, por Cristo”. E se te dessem a escolha, antes deverias desejar sofrer adversidade, por amor de Cristo, do que ser recreado com muitas consolações porque assim serias mais conforme a Cristo, e mais semelhante a todos os santos. “Porquanto não consiste nosso merecimento e progresso espiritual em ter muitas doçuras e consolações, mas em sofrer grandes angústias e tribulações”.
Se houvera coisa melhor e mais proveitosa para a salvação dos homens do que o padecer, Cristo, de certo, o teria ensinado com palavras e exemplo. Pois claramente exorta seus discípulos e quantos o desejam seguir a que levem a cruz, dizendo: — “Quem quiser vir após mim renuncie a si mesmo, tome sua cruz, e siga-me” (Lucas 9:23). Seja, pois, de todas as lições e estudos este o resultado final: — “Cumpre-nos passar por muitas tribulações, para entrar no reino de Deus” (Atos 14:21).
Paz e graça.
Pr. Me. Plínio Sousa[1].
[1] – Tomás de Kempis, 1380 – 1471, Imitação de Cristo, p. 40 – 44.
[1] – Revisor: — notas e significações.