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[1] – Via do movimento–primeiro motor ou modificação.

O valor técnico da palavra “motus” não pode ser expresso por “movimento” com a condição de estender seu significado primeiro de movimento local (ou mecânico) a tudo o que seja mudança, devir[1]. O que, aliás, a linguagem moderna não hesita em fazer, falando de movimento das almas (“etimologia de emoção”), do movimento do espírito (“indutivo, dedutivo, dialético”), dos movimentos sociais e políticos, do movimento da evolução, etc.

Para Tomás de Aquino, assim como para Aristóteles, tudo aquilo que poderíamos denominar movimento e devir no mundo físico reduz-se a três grandes categorias: — [1] – O movimento local, medido pelo tempo; [2] – O movimento de alteração[2], que, como o precedente, diz respeito apenas às transformações acidentais do ser; e [3] – O movimento substancial, que é a passagem de uma substância a outra, a transformação propriamente dita.

É a análise dessa realidade do movimento, ou devir, que determinou a teoria da potência e do ato. O movimento aparece então como o advento ao ato daquilo que estava em potência. Assim generalizada, a idéia de movimento pode ser analogicamente transposta ao domínio das realidades espirituais.

A palavra “moção” (“motio”) tão frequentemente utilizada por Tomás de Aquino, deverá ser entendida igualmente de uma maneira muito generalizada. A “moção” é o que determina o movimento. É nesse sentido ampliado que deve ser compreendido o axioma: — “nada move nem é movido a não ser movido por um outro, e finalmente por Deus”, o que é dito na Suma Teológica na questão 2. E, não deverá compreender-se a moção da vontade ou do espírito que não pode remontar senão a Deus, à maneira de uma moção materialmente física, ainda que se trate sempre de uma comunicação de ato.

A primeira via fala de um fato do mundo: — o próprio “movimento”. O sentido da palavra movimento aqui não é, de fato, simplesmente a locomoção de um lado a outro (como explicado acima), mas a modificação, a alteração dos entes, que entende-se como — “[ser], criatura, entidade, figura, organismo, coisa, objeto, elemento, matéria, corpo, substância, etc., tudo aquilo que existe”; como um bebê que nasce dependente de alguém, mas que chegará um momento que tornar-se-á independente, autossuficiente, quando este alcança a fase adulta, há um movimento dentro de si mesmo. Percebemos pelos sentidos que as coisas se movimentam. Como expresso por Tomás de Aquino: — “A primeira e mais manifesta é a procedente do movimento; pois, é certo e verificado pelos sentidos, que alguns seres são movidos neste mundo. Ora, todo o movido por outro o é. Porque nada é movido senão enquanto potencial, relativamente àquilo a que é movido, e um ser move enquanto em ato. Pois mover não é senão levar alguma coisa da potência ao ato[3]. Tomás de Aquino diz que, antes do movimento, os seres estão “em potência”, pressupõe que passiva, sendo que Deus tem soberanamente a potência ativa. Ou seja, em capacidade eficiente, isto é, possuem a possibilidade (“em potência”) de se tornar diferentes do que são, como uma “parede branca que tem a possibilidade de tornar-se em parede preta, ou ainda, uma parede sem porta e janela, pode tornar-se uma parede com porta e janela”.

“Pois, a matéria–prima está para a potência, como Deus, agente primeiro, para o ato (em si). Ora, nenhum ato há na matéria–prima, em si mesma considerada. Logo, nenhuma potência tem Deus, agente primeiro[4].

Ainda sobre este conceito, ato e potência são os conceitos utilizados por Aristóteles, em sua metafísica (aquilo que é caracterizado pela investigação das realidades que transcendem a experiência sensível), para explicar a origem do movimento na natureza. Ato aqui tem o sentido de “realidade que se realiza”, que está se “realizando” é a forma “atual do ser”. Esse conceito se contrapõe com o que é simplesmente potencial ou possível. Afirma Nicola Abbagnano, em seu Dicionário de Filosofia, que “ato é a própria existência do objeto” e está para potência, assim como “construir está para saber construir”. A potência, por sua vez, é o “princípio” ou a “possibilidade (probabilidade, contingência) de realizar uma mudança no próprio ser ou em outro ser”; capacidade de sofrer mudança causada por outra coisa ou por si mesmo; capacidade de ser mudado para melhor e não para pior; capacidade de resistir a qualquer mudança. O conceito de potência não deve ser confundido com força, mas sim com a “ausência de perfeição” em um ser capaz de vir a possuí-la, pois uma potência é a capacidade de tornar-se alguma coisa ou a resistência para isso e, para tal, é preciso que sofra a ação de si ou de outro ser já em ato — que é Deus, “ato em si mesmo”. O movimento é, pois, a passagem do ato de um ser para sua potência, que se tornando “ato” carregando outras “potências”.

A potência é princípio de operação, entretanto, como em Deus não há acidente (mutabilidade e inconstância), a operação divina é a sua essência. Mas, esta não tem nenhum princípio. Logo, a idéia de potência (possibilidades) não convém a Deus. Como ficou demonstrado, a “ciência e a vontade” divinas são a causa das coisas. Ora, causa e princípio se identificam. Logo, não se pode atribuir a Deus potência, mas somente ciência e vontade. Mas, em contrário, a Escritura (Salmos 89:8): — “Senhor, Deus das virtudes, quem é semelhante a ti? Poderoso és, Senhor, e a tua verdade está sempre em roda de ti, Domine, Deus virtutum, quis similis tibi? Potens es, Domine, et veritas tua in circuitu tuo” – Vulgatam Clementinam.

Tomás de Aquino exprime-se que há duas espécies de potência — a “passiva”, que de nenhum modo existe em Deus; e a “ativa”, que lhe devemos atribuir, soberanamente. Pois, como é manifesto, um ser é princípio ativo de um efeito (consequência), na medida em que é atual e perfeito; e recebe uma ação, na medida em que é deficiente e imperfeito. Ora, Deus é ato puro, absoluto e universalmente perfeito [demonstraremos a seguir], não deixando lugar a nenhuma imperfeição. Por isso, soberanamente lhe convém ser princípio ativo, mas de nenhum modo, passivo. Pois, a natureza de “princípio ativo” convém à “potência ativa”, por ser esta, princípio de ação transitiva (temporária). A potência passiva, pelo contrário, é princípio de sofrer a ação exterior. “Donde se conclui, que Deus tem soberanamente a potência ativa”.

Ao se moverem, a potência se transforma em ato, atualiza-se nas possibilidades. Se tentarmos regressar a fim de buscar a origem, perceberemos que é necessário ter um primeiro motor, um agente, por exemplo, “ao comprarmos um pão, sabemos que ele veio da padaria, e que foi feito por um padeiro, e que o mesmo recebeu da indústria a farinha de trigo, e que a indústria recebeu do campo o trigo, e que o trigo foi semeado, e quem o semeou, recebeu a semente da natureza, e que a natureza foi criada antes de todas as coisas por um primeiro motor, que é Deus” — O trigo [“em potência”] tem a capacidade de modificar-se [isto é, alteração] em pão, não obstante, dependente do padeiro–agente instilando força (afinco); de outra maneira, observa-se que existe um movimento em si, entretanto, que ao mesmo tempo é movido por outro. Outro exemplo, é o que expressa o postulado latino: — “baptisma autem in actum nisi per baptisma – non valet sancti” — “um batismo com o qual deseja ser acionado apenas por batismo, não tem nenhum poder do Espírito”. Ou seja, que um batizado em ato, é somente um batizado, mas ele tem potência — dispõe da possibilidade de se tornar diferente do que é – pecadores impenitentes injustificados — para ser santo — pecadores contritos justificados [ato][5]. O batismo doa a graça de Deus, e Deus conduzirá o batizado a um grau maior, ainda de aperfeiçoamento cristão e virtudes teologais, a pessoa torna-se santa porque recebe a graça de Deus, mas tem que trabalhar, labutar para ser santa continuamente, em outras palavras “Deus que separou o eleito e o chamou sem que este tivesse feito, absolutamente, nada, não irá salvar, se este não fizer inteiramente alguma coisa — santificai-vos[6]. Ainda sobre este exemplo, a ação de batizar de João era um forte anúncio do sacramento do Batismo a ser trazido pelo Senhor Jesus, ou seja, “a potência (“ausência de perfeição”) é a realidade do ser batizado por João, e o ato (“realidade que se realiza”) é a atualidade e o que esse ser pode vir a ser em Cristo Jesus (é a conformação atual do ser – justificado e santo em Cristo)”. Ele, o Filho de Deus feito homem, batiza não apenas com água, como João, mas também com o Espírito Santo[7], grande dom do Messias prometido pelos profetas[8], aqui encontra-se a relação de potência e ato.

A Escritura diz: — “e, chegando-vos para Ele, pedra viva, rejeitada, na verdade, pelos homens, mas, para com Deus eleita e preciosa, sois vós também quais pedras vivas, edificados como casa espiritual para serdes um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, aceitáveis a Deus por Jesus Cristo” (1 Pedro 2:5), ou seja, “chegando-vos” para Ele [Jesus], os crentes constituem “casa espiritual de Deus”, em que os crentes como “sacerdócio santo” devem oferecer “sacrifícios espirituais”; aqui notamos que os crentes já estão em ato (“casa espiritual”, “sacerdócio santo”) mais ainda assim, em potência (“devem ainda oferecer sacrifícios espirituais”), alterando-se a todo tempo — “em Deus” — o que chamamos de santificação (João 17:17).

Outro exemplo, para mais claro, é a “Parábola do Semeador” (Mateus 13; Marcos 4) e a “Parábola do Grão de Mostarda” (Mateus 13:31, 32; Marcos 4:30 – 32; Lucas 13:18, 19), ambas, a semente está “em potência”, e tem potencialidade para ser algo diferente. Vejamos: — [1] – A primeira Parábola a semente é potência entre várias virtualidades, das quais, uma sobressai; ao jogar a semente, uma parte caiu sobre a terra crestada do caminho que atravessava o campo, essa semente sobre a superfície rapidamente atraiu as aves; no “solo rochoso”, não um solo coberto de pedras, mas uma grande rocha coberta com uma fina camada de terra, as sementes ali lançadas brotariam rapidamente, pois, o sol aqueceria rapidamente a fina crosta; mas por falta de raiz e umidade, a planta rapidamente queimou e secou-se; entre “os espinhos”, solo infestado com raízes de espinhos que o arado não removeu; e na “boa terra”, o solo fértil da Galiléia que era capaz de produzir colheita da magnitude mencionada aqui. Ou seja, possibilidades[9]; e [2] – Na segunda Parábola, a semente é potência definida, I. Howard Marshall escreveu que a parábola “sugere que o crescimento do reino de Deus a partir de um minúsculo começo até o tamanho do mundo inteiro”. Ou seja, que o cristianismo se inicia pequeno (“em potência”) e cresce até o tamanho do mundo (ato).

Agostinho exprime-se e esclarece assim acerca do “ato e potência” e “potência e ato”, da ação de salvação, “Deus est, qui creavit te sine te, sine te autem non nisi”. Ou seja, “O Deus que te criou sem ti, não te salvará sem ti” — O texto de 1 Tessalonicenses 2:13, diz: — “[…] como palavra de Deus, a qual “opera” em vós, os que crestes”, a palavra grega usada para “opera” é “energeo” que é uma das quatro palavras principais de energia, são elas: — “energeo, energes, energeia e energema”; todas as palavras derivam de “en” (“em”) e “ergon” (“trabalho”), e têm a ver com a “operação ativa” ou “trabalho do poder” e seus “resultados efetivos”, podemos concluir que o poder de Deus é o “movimento–primeiro motor ou modificação que move o ser [em potência]” e seus resultados efetivos, atuais e reais é ato, ou seja, a capacidade que os crentes possuem [em Deus] de terem possibilidades de tornarem-se diferentes do que são [em Cristo] — santos pelo Poder de Deus mediante a Palavra, neste contexto de Filipenses 2:13; 2 Coríntios 3:5 e 1 Tessalonicenses 2:13, destacamos os seguintes motores: — [1] – O trabalho contínuo da graça de Deus que envolve; [2] – O trabalho santificador do Espírito Santo de Deus; e [3] – Nossa continuidade em avançar mediante a crença na verdade — movido por nenhum outro senão Deus, movido por uma causa não causada [Deus], ou seja, alguém que começou, sem ter precisado ser começado por alguém; é a Pessoa que tem todas as ações perfeitas em si, é o arquétipo perfeito (padrão perfeito) de todas as coisas. Destaco que há imperfeição nos entes, mas em Deus não: — Todas as coisas necessitam de perfeitos arquétipos (padrões perfeitos, como dito), razão disto, é que no máximo que este mundo pode oferecer há alguma imperfeição; nunca chega a ser totalmente o que sabemos que deveria ser; no amor maior da Terra há ainda alguma imperfeição; no conhecimento mais alto da Terra há ainda ignorância; na maior realização humana há ainda persistentemente algum elemento de imperfeição; na fé há ainda incredulidade; na santidade há ainda a necessidade de santificação, pois, há pecado em nós — o Padrão Perfeito deve ser necessariamente o primeiro motor [Deus], pois, é o Padrão de todas as coisas [entes] “em potência” a tornarem-se perfeitas [ato], pois existem nelas ausência de perfeição — e, aqui (potência) é apenas o pálido reflexo da realidade (primeiro–motor, ato em si) — a eternidade [Deus], como dizia Browning: — “O alcance de um homem deveria exceder seu logro ou, para que existe então o céu?”. Reiteradamente, todas as coisas movem-se, todas as coisas transformam-se de um ponto para outro, não somente no sentido de locomoção, mas de mudança substancial, como na geração de novas substâncias — “a madeira que queima tornando-se carvão” — como acidente, aumento ou diminuição quantitativa — “o menino que cresce tornando-se adulto” — e, até como variação quantitativa, quer na ordem material quer na ordem espiritual — “quanto maior sofrimento, por fim, maior graça[10].

Deus é “ato em si”, que não necessita de outras características que sejam acrescentadas nEle, para Ele vir a ser alguma coisa diferente, porque Ele já é; expresso na Escritura em ambas as dispensações, [1] – Primeiro, em Êxodo 3:14: — “Eu Sou o que Sou” é justamente ser “ato em si”, significa que Deus é a plenitude do ser e de toda perfeição — é o próprio ser — não tem origem nem fim. Ao passo que as criaturas receberam dEle todo o seu ser e o seu ter, na aparência, é possível interpretar “YHWH” como uma terceira pessoa do singular na forma arcaica do verbo “hayah”, “ser”, significando, portanto, “Ele é [presente]”, esse nome está ligado ao verbo hebraico que significa “ser”, e, assim, implica a absoluta existência de Deus. Esta interpretação está de acordo com o significado do nome dado em Êxodo 3:14, onde Deus é representado como se estivesse falando e, portanto, como o uso de primeira pessoa – “ehyeh”, “Eu Sou” [primeiro–motor, ato em si];  e [2] – Segundo, no Novo Testamento, é dito por Jesus: — “[…] Eu Sou [presente]” (João 8:58) dentro do contexto da passagem, Abraão não estava no começo com Deus, esclareço que “antes que Abraão existisse”, deveria [o verbo] ser traduzido como “antes que Abrão [ter nascido]”, indicando que a vida de Abraão tinha um começo específico. Isso contrasta nitidamente com a auto–reivindicação de Jesus: — “Eu Sou” — em outras palavras, Ele era [é] sem começo — o Onipresente.

Síntese do pensamento da primeira evidência [via]:

[1] – No cosmos, algumas [todas] coisas são movidas; [2] – Tudo o que é movido, é movido por outro [primeiro–motor]; [3] – Não pode-se preceder (anteceder) até ao infinito nos “moventes” (quem modifica; causas; razões; fins; propósitos; objetivos; etc.) e “movidos” (quem é modificado; instigados; ocasionados; afetados, agitados; capacitados; descritos; dirigidos; etc.), a exemplo, do que foi dito — quem criou a natureza — dentro deste planeta, e que este encontra-se com todo sistema solar como partículas dentro da galáxia chamada de Via Láctea, e que esta faz parte dos dois trilhões de galáxias[11] de um universo que é infinito — e que esta dá o trigo que faz o pão? Ou quem criou as matérias–primas que compôs (construiu, obrou) a parede e o próprio agente construtor? Ou quem criou, gerou e consumou a fé (dom), e, em contínuo trabalho preserva e torna-a perseverante em si? [4] – Logo, é necessário um primeiro–motor não movido por outrem, que é Deus.

[2] – Via da causa eficiente.

A segunda via observa que tudo depende de uma causa para agir e existir. Ela tem forte semelhança com a primeira, mas, nessa, os seres dependem de uma causa eficiente para existir, enquanto naquela observa-se a necessidade de uma causa motriz (motor, movimento–primeiro). Se, regressarmos na relação causa e efeito, chegaremos a uma causa primeira não subordinada e não causada, pois, não pode ser causada por outra, caso contrário, não seria a primeira nem poderia ser absolutamente independente no agir e no causar, e consequentemente, não eterna. A essa causa eficiente primeira chamamos Deus. Ou seja, a causa eficiente é que “uma causa depende da outra”, chegando-se a um ponto que a causa eficiente não depende de outrem; é aquela que se torna motivo de criar um efeito (consequência, conclusão, resultado), sem ser efeito (consequência, conclusão, resultado) de outra causa. Ou seja, “é uma causa não causada”. Tomás de Aquino exprime-se dessarte: — “Esta causa é infinitamente perfeita, porque sendo a existência mesma subsistente, é tudo o que pode existir, isto é, todos os modos de ser, todas as perfeições (arquétipo perfeito); imaterial, porque a matéria é potência (transforma-se, muda-se). Ora, a causa primeira não sofre mudanças por ser ela ato puro; inteligente, porque a imunidade e exceção da matéria é a causa da faculdade intelectual, que se caracteriza por se fazer atualmente inteligíveis as formas materiais abstraindo-as da matéria e das condições da matéria; não subordinada e incausada, pois, não pode ser causada por outra, caso contrário, não seria a primeira, nem poderia ser absolutamente independente no agir e no causar — causa eficiente primeira é Deus”.

Síntese do pensamento da segunda evidência [via].

[1] – No mundo, todas as coisas têm uma causa eficiente [como a semente plantada que precisa do fertilizante [adubo, esterco], água, luz solar, etc.]; [2] – Nada pode ser a causa eficiente de si mesmo [a semente não pode se molhar, nem ser duas coisas ao mesmo tempo, semente e esterco]; [3] – Não é possível que se preceda até o infinito nas causas eficientes (pois, tornaria em coisa eterna e infinita, não sendo finito); [4] – Logo, existe uma causa primeira eficiente, que é Deus, que é eterno e infinito.

Sobre as evidências, um e dois, de modo resumido: — “O motor que iniciou todas as coisas, e não precisou ser iniciado — é alguém perfeitíssimo — a causa que causou todas as coisas, mas não precisou ser causada — também é um ser perfeitíssimo — este [ser] perfeitíssimo que criou todas as coisas, que gerou todas as coisas como primeiro–motor e causa eficiente: — é Deus”.

[3] – Via do contingente e do necessário.

Noção contrária à de necessidade. Aquilo que é contingente, é aquilo que poderia não ter sido ou não ter sido tal, ou não acontecer [evento contingente], por não ter em si nem em suas causas a razão adequada de sua existência. Denominamos futuros contingentes aquilo que, considerado em si mesmo ou em suas causas, poderia advir (resultar, acontecer) ou não advir, e que, portanto, não pode ser previsto. Eles são cognoscíveis (acessíveis) apenas enquanto presentes (é enquanto presentes e não por antecipação que Deus os conhece), e revestem por isso mesmo uma necessidade de fato: — “supondo que uma coisa seja, ela não pode não ser”. Aquilo que foi não pode não ter sido. As escolhas das vontades livres são contingentes.

A definição de contingente é: — “qualquer ente que existe, mas poderia também não existir, porque não tem em si mesmo, em sua essência, a razão de sua existência”, por conseguinte, a terceira via é semelhante à primeira e à segunda. Entrando mais intimamente na essência dos entes do universo, procura o ponto de partida na entidade desses seres contingentes, ou seja, “dependente de outro ser necessário para existir”; por exemplo, “um bebê quando nasce, necessita de minerais, vitaminas, nutrientes essenciais, etc., que encontra-se no leite materno, portanto, o bebê é contingente ao colo da mãe”. Ou seja, dessa maneira, ele existe, mas poderia não existir se não dispusesse dessas condições. Ou ainda, da possibilidade de escolha, entre duas cores distintas de caneta, sendo uma de cor azul e outra de cor vermelha, uma vez escolhendo, por exemplo, a caneta de cor azul, esta escolha é “contingente a circunstância” da probabilidade real da escolha dentro do campo das reais potencialidades. Ou seja, a virtualidade de escolha da caneta de cor vermelha, poderia simplesmente não existir; permanece a necessidade de outro ser que lhe cause a existência [da possibilidade de outras escolhas] — outro ente.

Observamos, então, que existe seres contingentes que existem, mas poderiam não existir, por não ter em si mesmos, em sua essência, a razão de sua existência. Da possibilidade de não existir, permanece a necessidade de outro ser que lhe cause a existência. Se, remontarmos ao infinito, chegaremos ao ser necessário, que tem em si a razão absoluta de sua existência, e, é o oposto do contingente, esse ser é Deus.

“O necessário é o ser existente que de modo algum, pode não existir, porque tem em si a razão absoluta da sua existência”. O contingente que necessita do necessário para existir, assemelha-se com um oficial que necessita de cumprir obrigações para subsistir[12], que não pode destinar-se a si mesmo ao pastorado; sua nomeação [e aprovação], portanto, provém de Deus, e ele precisa do necessário para existir: — Deus e sua Palavra. Ou seja, “dessa maneira, ele existe, mas poderia não existir se não prescrevesse e deliberasse cumprir dessas obrigações” — O contingente estar [de modo dependente] para o ser necessário, assim, como o pastor estar [de modo dependente] para Deus.

O necessário[13] contém na sua própria essência a sua existência, seria absurdo não existir. Dessa forma, é necessário afirmar a existência de um ser necessário por si mesmo, e que é a causa e a necessidade de todos os outros, é necessário sem ser contingente, tem tudo para poder ajudar a outrem, apesar disso, não necessita da ajuda de ninguém; mas para isso, este ser precisa ser perfeitíssimo: — Deus. “A perfeição de Deus é tão enorme, funda, intensa, incompreensível, inacessível e penetrante, que é transmitida a outros entes”. Prova disto, é que Deus reparte a sua Onipotência com os santos[14].

Síntese do pensamento da terceira evidência [via].

[1] – No mundo, há coisas contingentes que existem, mas poderiam não existir; [2] – Mas é preciso que algo seja necessário entre os entes; [3] – Não é possível que se preceda ao infinito nas coisas necessárias; [4] – Logo, existe um primeiro necessário, que é Deus.

[4] – Via dos graus de perfeição.

Assim, nelas [nas coisas, entes] se encontram em proporção maior e menor o bem, a verdade, a nobreza e outros atributos semelhantes. Ou seja, o mais e o menos se dizem de diversos atributos enquanto se aproximam de um máximo, diferentemente; assim, “o mais cálido (quente) é o que mais se aproxima do maximamente cálido, e o mais calmo é o que  mais se aproxima do maximamente calmo — como é dito, não tenho a paciência de Jó, mas sou muito calmo!”. Há, portanto, algo verdadeiríssimo, ótimo e nobilíssimo e, por consequente, maximamente ser; pois, as coisas maximamente verdadeiras são maximamente seres, como diz o Filósofo. Em outras palavras, o que é maximamente tal, em um gênero, é causa de tudo o que esse gênero compreende; assim o fogo, maximamente quente, é causa de todos os cálidos, como no mesmo lugar se diz. Logo, há um ser, causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quanto existe, e esse ser chama-se Deus.

A quarta via é aprovada pelos graus de perfeição dos entes, é uma via mais poética, o nosso entendimento percebe que existem graus de perfeição em todas as coisas. Os graus estão evidenciados (explicitados) desde os objetos mais gerais até os sentimentos mais obscurecidos ou nobres, julgamos sobre tais graus de tais coisas, tendo como referência alguma coisa de grau máximo; por exemplo, “o homem é mais perfeito que o animal, por sua vez, o animal é mais perfeito que o vegetal, e este, é mais perfeito que o mineral, etc.”. Se admitirmos a possibilidade de diferentes graus de perfeição, o maximamente dessa perfeição é o próprio Deus.

Conforme refere Aristóteles, certos filósofos antigos — os Pitagóricos e Espeusipo — não concebiam que o princípio primeiro fosse ótimo e perfeitíssimo. E a razão é que tais filósofos consideravam só o princípio material. Ora, o principio material primeiro é imperfeitíssimo; pois, sendo a matéria em si mesma potencial (“em potência”, podendo mudar-se, transformar-se), por força o princípio material primeiro há de ser totalmente potencial por excelência e, portanto, totalmente imperfeito.

Deus, porém, é considerado como primeiro princípio, não material [imaterial], mas, no gênero, da causa eficiente; e, então, há de necessariamente ser perfeitíssimo. Pois, assim como, em si mesma, a matéria é potencial, assim, o agente é, em si mesmo, atual (“ato em si”). Por onde, o primeiro princípio ativo há de, por força, ser soberanamente ativo, e, por consequência, perfeito em máximo grau. Pois, um ser é considerado perfeito na medida em que é atual; porque perfeito se chama aquilo ao que nada falta, nos limites da sua perfeição[15].

“O princípio material, que em nós existe imperfeitamente, não pode ser, em absoluto, primeiro, mas é precedido por outro, que é perfeito [necessário]. Assim, embora o sêmen seja o princípio do animal dele gerado, tem, contudo, como princípio, o animal ou a planta donde deriva. Pois, antes do potencial, há de necessariamente existir o atual, porque o “ser potencial” não se atualiza senão pelo que já é atual”.

Se para cada coisa existente há um grau máximo, portanto, deve existir um ser [Deus] que contém todos os atributos e coisas possíveis em seus graus de perfeição no máximo – e, que seria gerador de todas as coisas em grau de perfeição menor. Tomás de Aquino diz (como já dito) que “se encontra nas coisas algo mais ou menos bom, mais ou menos verdadeiro, mais ou menos nobre, etc., portanto, mais e menos se dizem de coisas diversas, conforme elas se aproximam diferentemente daquilo que é em si o máximo”. Esse ser é Deus.

O ser em si é o mais perfeito de todos por atualizar a todos; pois, nenhum ser é atual senão enquanto existente. Por onde, o ser em si é o que atualiza todos os outros e, mesmo, as próprias formas. “Por isso, não está para outros como o recipiente para o recebido, mas, antes, como o recebido para o recipiente”.

Assim, quando designo o ser do homem, do cavalo, ou de qualquer outro ente, considero o ser mesmo como princípio formal e como recebido; e não como um sujeito a que sobrevém a existência.

Razão disto, é que no máximo que este mundo pode oferecer há alguma imperfeição; nunca chega a ser totalmente o que sabemos que deveria ser [perfeito, e mais perfeito]; no amor maior da Terra há ainda alguma imperfeição [pois, medimos pelo maximamente perfeito amor – de Deus]; no conhecimento mais alto da Terra há ainda ignorância [pois, medimos pela maximamente perfeita sabedoria – de Deus]; na maior realização humana há ainda persistentemente algum elemento de imperfeição  [pois, medimos pela maximamente perfeita obra – de Deus]; na fé há ainda incredulidade [pois, medimos pela maximamente perfeita fé – confiante em Deus pela Palavra]; na santidade há ainda a necessidade de santificação, pois há pecado em nós [e, ainda, medimos pela maximamente perfeita santidade – do Filho e Palavra de Deus] — só existe um ser — Deus, que pode oferecer toda perfeição, que é totalmente um ser perfeito, que tem amor perfeito, que tem todo conhecimento perfeito de todas os entes, que tem todo o poder para realizar todas as coisas perfeitamente, que é um ser santíssimo e perfeitíssimo.

“Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e em perfeição. Ele é um Espírito puríssimo, invisível, sem corpo, sem membros, não sujeito a paixões; é imutável, imenso, eterno, incompreensível, onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto, e tudo faz segundo o conselho da sua própria vontade que é reta e imutável, e para a sua própria glória […][16].

“Sede santos, porque eu sou santo” (1 Pedro 1:16). “[…] sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai que está nos céus” (Mateus 5:48)[17].

Síntese do pensamento da quarta evidência [via].

[1] – No mundo, as coisas têm diferentes graus de perfeição; [2] – Os graus de perfeição atribuem-se em relação à proximidade do grau máximo (arquétipo maximamente perfeito); [3] – O grau máximo de um gênero é a causa eficiente [Deus] de todas as coisas desse gênero; [4] – Logo, há algo que é a causa da existência para todas as coisas, que é o Deus perfeitíssimo e santíssimo.

[5] – Via do governo das coisas — da finalidade ser.

“Pois, vemos que algumas, como os corpos naturais, que carecem de conhecimento, operam em vista de um fim; o que se conclui de operarem sempre ou frequentemente do mesmo modo, para conseguirem o que é ótimo; donde resulta que chegam ao fim, não pelo acaso, mas pela intenção. Mas, os seres sem conhecimento não tendem ao fim sem serem dirigidos por um ente conhecedor e inteligente, como a flecha, pelo arqueiro. Logo, há um ser inteligente, pelo qual todas as coisas naturais se ordenam ao fim, e a que chamamos Deus[18].

A quinta via é a prova pelo ordenamento do cosmos, se considerarmos a ordem existente no universo, da posição que a Terra encontra-se diante do Sol, a velocidade em que a Terra movimenta-se, a distância exata da Lua,  e tudo isso, permite que exista vida em nosso planeta, se fosse um pouco diferente disso, não haveria vida; podemos dizer que desde os componentes microscópicos existentes até os gigantescos astros do firmamento; a harmonia, a atividade e relação entre eles; são milhares de exemplos — “quem é que ensina a uma abelha que têm em suas cabeças glândulas que secretam duas enzimas, a invertase e glicose oxidase, e que o mel é formado pela reação dessas substâncias com o néctar coletado das flores? Ou a uma flor que o fechamento das folhas é uma defesa natural em reação a qualquer tipo de toque, percebido como um ataque em potencial? Ou ainda, de bebês que já nascem sabendo mamar, engolir, etc.?” — ainda nos primeiros dias de vida observados, entendimentos, compreensões, assimilações, pensamentos, inteligências, idéias, discernimentos, juízos, pensamentos, conclusões, etc., facilmente chegamos à seguinte conclusão: — “houve uma inteligência que criou e ordenou tudo isso, um ser inteligentíssimo; caso contrário, seria absurdo, tolice, dizer que isso é fruto do acaso ou do caos”. Em outras palavras, Tomás de Aquino usa uma expressão: — “Uma flecha não pode atingir o alvo, sem que o arqueiro a dispare”. Portanto, deve ter alguém que mude, modifique, altere e lide com tudo, que coloque exatamente uma ordem, que forme inclusive um equilíbrio extraordinário no cosmo inteiro. “A qualidade que originamos [ser causa de algo] a Deus através desta quinta via é exatamente a inteligência”. Um Deus inteligentíssimo que sabe coordenar os movimentos de todos os astros do universo inteiro.

“De fato, apenas a inteligência pode ser razão da ordem, quer dizer, da organização dos meios em vista de um fim, ou dos elementos em vista do todo que eles compõem: — os corpos ignoram os fins e, por conseguinte, se os corpos ou os elementos conspiram em conjunto, é necessário que sua organização tenha sido obra de uma inteligência de um ser inteligentíssimo: — que é Deus”.

Garrigou–Lagrange diz: — “Os seres privados de razão não tendem a um fim se não são guiados por uma inteligência, como a flecha pelo arqueiro. Com efeito, uma coisa não pode estar ordenada à outra senão por uma causa ordenadora, que necessariamente deve ser inteligente, “sapientis est ordinare”. Por quê? Porque somente a inteligência conhece a razão de ser das coisas”.

Qual é a inteligência que ordena e guia o cosmos? Tem de ser diferente dos seres da natureza, porque os minerais e vegetais são desprovidos da ciência das coisas e os animais não possuem intelecto. Deve ser, também, diferente da inteligência humana, que, apesar de perceber e explicar a ordem que existe [e de muitas coisas], não a cria nem a compreende plenamente. Tem que ser, pois, a suprema [suma] inteligência, dado que a ordem do cosmos supõe um ser que possua a ciência de todos os seres e suas propriedades.

Por isso, conclui Garrigou–Lagrange: — “Os animais conhecem sensivelmente o objeto que constitui seu fim, mas nesse objeto não percebem a razão formal do fim. Por conseguinte, se não houvesse uma inteligência ordenadora, que governasse o mundo, a ordem e a inteligibilidade que há no universo e que as ciências descobrem, proviria da inteligibilidade, e ainda mais, nossas próprias inteligências proviriam de uma causa cega e ininteligível; uma vez mais, o mais sairia do menos, o que é absurdo”.

A inteligência criadora e ordenadora — é Deus. Por consequência, a esta afirmativa, é necessário esclarecer o porquê que a “inteligência criadora e ordenadora” do universo é “infinita e divina”. Um ser natural, na sua criação, não é precedido por nada e suas propriedades e capacidades provêm de sua própria essência. Daí, a ordem interna de cada ser e, por conseguinte, das relações destas essências entre si, resulta a ordem externa do universo.

Sendo a causa total de toda ordem, o autor dessas essências precisa ser também criador, por tirá-las do nada. Portanto, a “inteligência ordenadora” é também criadora, Deus (Gênesis 1 — 2) que cria, diferente do ser natural que é criado. Também, essa inteligência não pode ter sido criada (Êxodo 3:14), porque seria como qualquer outro ser existente e não ordenaria, mas seria ordenada por outra inteligência, superior. Por fim, a inteligência ordenadora deve ser também por si subsistente e infinita (eterna). A esse ser criador, subsistente por si, infinito, criador e inteligentíssimo, chamamos Deus.

Síntese do pensamento da quinta evidência [via].

[1] – No mundo, algumas coisas operam por causa de um fim. [2] – Essas coisas não atingem o fim por acaso, é determinado. [3] – Essas coisas não tendem para um fim a não ser que estejam sendo dirigidas por algo inteligente. [4] – Logo, existe algo inteligente, que é Deus, que dirige as coisas a um fim de forma inteligentíssima.

O argumento ontológico no Proslógio — Anselmo Aosta.

Anselmo inicia seu argumento com a definição de “um ser do qual não é possível pensar nada maior”. Mesmo que um insipiente (“incrédulo” ou “tolo”) negue sua existência, ele é capaz de compreender ao ouvir as palavras “o ser do qual não é possível pensar nada maior”.

Mesmo que ele não admita a existência desse ser na realidade, ele se encontra pelo menos em sua inteligência. Ao afirmar que o insipiente compreende “o ser do qual nada maior pode ser concebido”, Anselmo quer apenas salientar que não há nisso nenhuma dificuldade.

A compreensão do insipiente neste ponto parece ser independente de qualquer compreensão da própria existência desse ser. “Por uma questão de argumentação dialética, Anselmo requer do insipiente apenas que ele compreenda esta expressão[19].

Ter a idéia de um objeto na inteligência, no entanto, é bem diferente de compreender que este ser realmente exista. Um pintor, por exemplo, já tem em sua mente a obra que pretende pintar antes de executá-la, mas nada compreende de sua existência real, pois, ela ainda não existe. Somente quando a tiver pintado é que ele compreenderá também sua existência[20].

Anselmo ressalta com este exemplo que não basta ser capaz de imaginar um objeto para que ele exista também na realidade. Seu único objetivo é mostrar que algo pode existir somente na idéia, sem existir na realidade. Resultaria em uma contradição, porém, se “o ser do qual não é possível pensar nada maior” existisse somente na inteligência. Fosse este o caso, “poder-se-ia pensar que há outro ser existente também na realidade; e que seria maior[21].

Segundo Anselmo, “se, portanto, o ser do qual não é possível pensar nada maior existisse somente na inteligência, este mesmo ser, do qual não se pode pensar nada maior, tornar-se-ia o ser do qual é possível […] pensar algo maior; o que […] é absurdo”. Logo, conclui Anselmo, “o ser do qual não é possível pensar nada maior existe, sem dúvida, na inteligência e na realidade [Deus][22].

Ao reduzir ao absurdo a afirmação do insipiente de que “o ser do qual nada maior pode ser pensado” não existe na realidade, Anselmo conclui que se deve pensar, portanto, este ser como existindo na realidade. Neste passo da argumentação, cabe observar, Anselmo ainda não provou que Deus existe, tendo afirmado tão-somente que “nós” acreditamos que Deus seja “aquilo do qual nada maior pode ser pensado”. Ele pensa ter estabelecido, neste ponto, apenas a existência deste ser, mas ainda não equacionou a identidade deste ser a Deus[23].

O próximo passo do argumento é então afirmar que aquilo que se pode dizer do “ser do qual nada maior pode ser concebido” pode também ser dito sobre Deus. O argumento de Anselmo tem, segundo Glymour[24], a seguinte estrutura lógica: — [1] – Premissa 1: — Podemos conceber um ser do qual nada maior pode ser concebido. [2] – Premissa 2: — O que quer que seja concebido existe no entendimento de quem o concebe. [3] – Premissa 3: — Aquilo que existe no universo de quem o concebe e também existe na realidade é maior do que algo similar que existe apenas no entendimento de quem o concebe. Portanto, um ser concebido, do qual nada maior pode ser concebido, deve existir na realidade assim como no entendimento. [4] – Premissa 4: — Deus é um ser do qual nada maior pode ser concebido.

Conclusão: — Deus existe na realidade[25].

O argumento ontológico de Anselmo de Aosta tenta demonstrar a existência de Deus de maneira apriorística. Sua elaboração resultou do projeto de seu autor de encontrar um argumento único e mais simples do que aqueles apresentados no Monológio, sua obra anterior. A ontologia neoplatônica, embora com forte presença no período de Anselmo e também em sua formação agostiniana, parece não ser um pressuposto do argumento. O arcebispo de Cantuária parece se valer, antes, da arte dialética apresentada por Aristóteles na sua obra Tópicos, transmitida neste período da Idade Média por Boécio[26].

Segundo Logan[27], a estratégia de Anselmo consiste em inicialmente identificar um termo médio com o qual seu oponente concorde, que lhe seja aceitável (argumento provável), para estabelecer, em seguida, sua solidez demonstrativa (argumento necessário).

Para demonstrar que Deus existe, ele primeiro apresenta ao público geral, à audiência de sua disputa com o insipiente, seu termo médio como sendo “o ser do qual nada maior pode ser pensado” (= “X”). Ele então afirma que a existência de Deus está sendo colocada em questão, e leva seu oponente a aceitar seu termo médio e sua premissa maior: — “X” existe no entendimento (“in intellectu”) e na realidade (“in re”). Tendo estabelecido a premissa maior, ele então argumenta pela premissa menor: — Deus é “X”.

Se Deus não é este “X”, então existe algo maior que Ele, o que significa que a criatura é maior que o Criador, o que é impossível. Anselmo atinge, segundo Logan[28], os limites da arte dialética, pois, um argumento necessário só pode ser negado às custas da racionalidade de quem o nega.

Tendo estabelecido, portanto, as duas premissas, o insipiente não desempenha mais nenhum papel na argumentação, pois, Anselmo se move de um argumento provável para um necessário, e pode concluir que Deus existe. O argumento de Anselmo nunca foi bem aceito por teólogos. Criticado por Gaunilo logo à época de sua publicação, ele foi esquecido até meados do século XIII, quando Tomás de Aquino o rejeitou de uma vez por todas.

Entre os filósofos, contudo, seu destino foi diferente. Sua constante presença na filosofia moderna alcançou o máximo de influência ao constituir, na leitura de Russell[29], a base de todo o sistema hegeliano. Seja válido ou não, concordamos com as palavras de Bertrand Russell: — “um argumento com uma história tão significativa certamente deve ser tratado com respeito”.

Por isso citado aqui em contraste com as cinco vias de Aquino, ou nos mistérios das entrelinhas concordantes [consoantes] ou discordes, e paradoxal; o que define, de fato, é a capacidade do ente, tempo dispensado e conferido sobre essas riquezas.

Paz e graça.
Pr. Me. Plínio Sousa[30].

Referências:

[1] – As cinco vias de Santo Tomás de Aquino para provar a existência de Deus – Suma Teológica.

[2] – Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica.

[3] – Roberta Melo, 2019, Ato e potência, Aristóteles.

[4] – St. ANSELM, Proslogium; Monologium; An appendix in behalf of the fool by Gaunilon; And Cur Deus Homo, Tradução de Sidney Norton Deane, Chicago, The Open Court Publishing Company, 1939.

[5] – Santo ANSELMO, Proslógio, Tradução de Angelo Ricci, In: Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1988.

[6] – LOGAN, Ian, Reading Anselm’s Proslogion: The history of Anselm’s argument and its significance today, Farnham: Ashgate Publishing House, 2009.

[7] – Suma Teológica, Caderno.

Notas:

[1] – Para Aristóteles, o devir é apenas uma passagem da potência ao ato que é a perfeição para a qual o devir tende. Segundo Aristóteles, ato é a perfeição para a qual o devir tende. Aristóteles dá o nome de devir ao processo de realização da potência. Devir é o princípio de atualização da potencialidade em direção à realização da forma. “O princípio do devir é o movimento, o princípio do movimento é a potência” (William Baptista). O devir aristotélico é a realização de um processo para se receber, o que move um ente para sua finalidade é o motor; tudo está em movimento porque é movido por um motor, o motor que move a si mesmo e não é movido por nenhum outro é o primeiro motor, o motor perfeito onde todas as suas potencialidades estão atualizadas — é Deus.

[2] – Ser alterado significa tornar-se outro, mas não em sua substância. Tomada filosoficamente, a palavra não tem o sentido de atingir a própria integridade do ser, o que ela evoca na linguagem comum. É um dos nomes da mudança, uma das formas do movimento. A mudança é puramente acidental, e mais precisamente qualitativa. Mas a alteração pode chegar a uma transformação substancial, a uma mudança do ser substancial nele próprio, ao advento de uma nova forma substancial a qual é determinada (a ponto de ser requerida necessariamente) pela qualidade recém-produzida. Na ordem dos fenômenos da natureza, é mediante alterações prévias que se produzem as transformações substanciais. É a mesma ação que, para fazer advir a nova forma, a determina. E a qualidade que era disposição torna-se propriedade decorrendo da forma uma vez advinda. Essas noções valem em sentido próprio apenas para os seres materiais. Mas Tomás de Aquino as transpõe constantemente à ordem superior — Deus.

[3] – Suma Teológica I, q. 2, a. 3.

[4] – AQUINO, 1265 – 1273.

[5] – Cf. Filipenses 2:13; 2 Coríntios 3:5.

[6] – Cf. 1 Pedro 1:15, 16; Hebreus 12:14.

[7] – Cf. Marcos 1:8; Lucas 3:16, 17; João 1:29 – 34.

[8] – Cf. Isaías 11:1 – 3; Joel 3:1 – 5; Isaías 32:14, 15.

[9] – V. M. Thomson, Land and Book, p. 83.

[10] – Cf. 2 Coríntios 12:7 – 9; João 16:33; Jó 1 — 42.

[11] – Astrophysical Journal.

[12] – Cf. 1 Timóteo 3:1 – 7; Tito 1:5 – 9.

[13] – “Necesse”, advérbio indeclinável que traduzimos por necessariamente, possui como etimologia “necedere”, no sentido de “não ceder”, “não fraquejar”. O “necessário” é aquilo que não pode não ser ou deixar de acontecer. Ele se opõe ao contingente (aquilo que acontece com […] que poderia não ser ou deixar de acontecer). Existem dois tipos de necessidade: — A necessidade absoluta e a necessidade hipotética ou condicional: — supondo, ou, sob condição que haja “A”, haverá necessariamente “B”. Ou então: — para que haja “A”, deve necessariamente haver “B”.

[14] – Cf. Êxodo 14:15, 16, 21, 26, 27; Mateus 14:27 – 32; Atos 8:38 – 40.

[15] – Suma Teológica I, q. 4, a. 1.

[16]  – Confissão de Fé de Westminster, Capítulo 2, Tópico 1.

[17] – Almeida Revista e Corrigida (ARC).

[18] – Suma Teológica, q. 2, a. 3.

[19] – LOGAN, 2009, p. 94.

[20] – ANSELMO, 1988, p. 102.

[21] – ANSELMO, 1988, p. 102.

[22] – ANSELMO, 1988, p. 102.

[23] – LOGAN, 2009, p. 95.

[24] – GLYMOUR, 2015, p. 16.

[25] – GLYMOUR, 2015, p. 16.

[26] – LOGAN, 2009, p. 14.

[27] – LOGAN, 2009, p. 17.

[28] – LOGAN, 2009, p. 17.

[29] – RUSSELL, 1945, p. 417.

[30] – Autor: — Plínio Sousa Santos Neto; Reitor e Docente do Instituto Reformado Santo Evangelho — IRSE. Pastor Reformado, Graduado em Teologia pela Universidade de São Paulo (USP), Pós–graduado em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Alvorada Paulista (FALP), Bacharel pela Faculdade Teológica de Ciências Humanas e Sociais Logos (FAETEL), Mestre em Teologia pela Faculdade Teológica Nacional (FTN) e Master of Theology (ThM) pela Vox Dei American University (EUA). Áreas que leciona, Teologia, Filosofia, História da Igreja e Docência do Ensino Superior.

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