Introdução.
Em 2001, a “Banner of Truth Trust” publicou um pequeno livreto de Iain H. Murray intitulado “O Saltério Deve Ser o Único Hinário da Igreja?”. Neste livreto, Murray busca responder à questão de “se os cristãos e as Igrejas têm liberdade para decidir sobre o material que usam para esse propósito [louvor congregacional], ou se há um princípio que os obriga a usar apenas um livro, a saber, o Livro dos Salmos (isto é, o Saltério em forma métrica)[2]”. Neste livreto, Murray tenta provar que a posição de Salmodia Exclusiva é antibíblica e que o uso de hinos não–inspirados é permitido e até superior aos Salmos[3]. Antes de analisarmos os argumentos específicos de Murray, alguns comentários gerais são necessários.
Primeiro, consideramos Iain H. Murray um querido irmão em Cristo, embora acreditemos que a posição que ele defende sobre essa questão é antibíblica e não confessional. Murray é um excelente estudioso e historiador que fez uma grande contribuição para a causa da fé reformada nos tempos modernos (este autor possui vários livros escritos por Murray).
Segundo, para aqueles familiarizados com o debate sobre Salmodia Exclusiva, Murray não oferece nada de novo, exceto algumas citações interessantes de puritanos que acreditavam que hinos não–inspirados eram lícitos. Ele retoma argumentos antigos que já foram amplamente refutados[4] e os reformula cuidadosamente.
Terceiro, embora Murray reconheça sua adesão ao Princípio Regulador do Culto, ele frequentemente argumenta como se esse princípio não existisse. De fato, o livreto não contém nenhuma prova bíblica de que hinos não–inspirados foram alguma vez ordenados por Deus ou usados pela Igreja de Deus antes do fechamento do cânon. Seu argumento básico para o uso de hinos é duplo: — alguns puritanos acreditavam que era permitido, e os Salmos são simplesmente inadequados ou insuficientes para o culto do Novo Concerto.
O primeiro argumento de Murray diz: — “Onde está a prova nas Escrituras de que Deus designou os cento e cinquenta Salmos de Davi para o culto público da igreja do Antigo Testamento?[5]”. Murray prossegue apontando que, embora alguns Salmos tenham sido escritos para o culto público, outros foram originalmente compostos para uso em oração e ensino. Ele diz: — “Que todos os Salmos foram alguma vez usados no templo em culto, ou que todos foram dados para louvor congregacional, é simplesmente uma suposição que não repousa em nenhuma evidência[6]”.
Embora esse argumento pareça inteligente, ele deve ser rejeitado porque não reconhece a diferença necessária e óbvia entre todos os diversos Salmos divinamente inspirados, como originalmente compostos, e a organização e colocação providencial posterior dos vários Salmos no Saltério completo por Jeová. Não há dúvida de que certos Salmos surgiram diretamente de experiências pessoais, orações e assim por diante, que eram poesias hebraicas divinamente inspiradas. Talvez houvesse até uma coleção inicial de Salmos davídicos que eram explicitamente definidos como orações (veja Salmos 72:20)[7]. Cinco Salmos são referidos como orações em seus títulos (17, 86, 90, 102, 142). Há também Salmos que não contêm louvor direto ou mesmo endereço direto a Deus (por exemplo, 1, 2). Mas o fato de certos Salmos terem sido originalmente compostos como orações em tempos de necessidade ou crise, ou que outros tenham a mera aparência de serem declarações poéticas didáticas de doutrina, ética ou história da salvação, significa que Deus mesmo não pode tomar esses poemas divinamente inspirados, sejam eles, canções deliberadas de louvor, orações ou declarações de doutrina, e colocá-los em um livro que é o hinário da Igreja após sua conclusão? Para que o argumento de Murray tenha algum peso, é preciso ignorar o fato de que Deus mesmo organizou todo o material inspirado no Saltério e o intitulou: — “O Livro dos Louvores” (hebraico, סֵפֶר תְּהִלִּים–Sephir Tehillim), ou como a Septuaginta grega o traduziu: — “O Livro dos Salmos”.
Uma vez que Deus, o Espírito Santo, organizou todos os diversos materiais no Livro do Louvor e o cânon do Antigo Testamento foi concluído, os judeus tinham um manual de louvor definitivo e inspirado. Eles entendiam que seu hinário era um produto da inspiração divina e nunca tentaram fazer adições não–inspiradas a ele. Compreendiam que as canções de louvor vinham do próprio Deus por meio do dom profético e, portanto, não produziram hinários não–inspirados. O fato de Deus requerer inspiração divina para canções de culto e de Ele ter organizado 150 obras inspiradas separadas em um hinário ou manual de louvor nos ensina que cantar Salmos é o equivalente musical à leitura das Escrituras no culto público. Aparentemente, Deus, em seu soberano prazer, quis ser adorado apenas com canções de louvor que fossem perfeitas e não contaminadas por defeitos e pecados humanos. Qualquer um que pense que pode escrever melhores canções do que o Espírito Santo não conhece a perfeição e a riqueza do Saltério, nem as implicações completas da enganosa natureza do pecado no coração humano.
Embora alguns estudiosos modernos possam pensar que o título “O Livro dos Louvores” é arbitrário, insignificante e talvez até inadequado porque o livro contém tanto material diverso (por exemplo, profecias, ensino, orações etc.), eles devem ignorar o fato de que o próprio Cristo usou o título. Jesus disse: — “Visto como o mesmo Davi diz no livro dos Salmos” (Lucas 20:42 – ACF). A palavra inspirada usada por nosso Senhor, “psalmon” (ou psalmois, Lucas 24:44), derivada de “psalmos”, denotava originalmente a música de um instrumento de cordas ou uma canção cantada com acompanhamento musical. Portanto, tanto Jesus quanto Pedro (veja Atos 1:20[8]) identificam todo o Livro dos Salmos como um hinário ou um livro projetado por Deus para ser cantado. Dado o título do Livro dos Salmos e a confirmação explícita desse título pelo Novo Testamento, a afirmação de Murray de que não há evidências de que o livro como um todo foi dado por Deus para louvor congregacional é incrível. Além disso, dado o fato de que o Livro dos Salmos é claramente projetado para ser cantado como louvor; que os crentes são repetidamente ordenados a louvar a Jeová com o canto de Salmos (por exemplo, Salmos 81:2; 95:1, 2; 98:4, 5; 100:2; 105:2 etc.); e que há muitos exemplos históricos inspirados do uso de Salmos (ou seus equivalentes inspirados) no culto público (Êxodo 15:1; 2 Samuel 1:18; 1 Crônicas 16; 2 Crônicas 5:13; 20:21; 23:13; 29:30; Esdras 3:11; Salmos 30:4; 137:1 e seguintes; Mateus 26:30 etc.), a afirmação de Murray de que não há evidências de que o Saltério foi projetado para o culto público é desconcertante. Como observa Bushell: — “O Senhor nos deu nas Escrituras um livro inteiro de Salmos inspirados e então nos ordenou a ‘cantar Salmos’. Independentemente da questão de se podemos ou não cantar outras canções no culto, não é o auge da tolice e impiedade, por assim dizer, olhar para o Senhor e insistir que não temos obrigação de cantar os Salmos específicos que Ele foi gracioso o suficiente para colocar em nossas mãos? Argumentaríamos que a inclusão de uma coleção de canções no cânon das Escrituras, sem quaisquer limites demonstráveis para seu uso, constitui um mandamento divino para usar todo esse livro em serviços de culto. Se o Senhor nos entrega um livro de Salmos, como Ele fez, e nos ordena a cantar Salmos, não temos o direito, sem instruções adicionais, de excluir certos Salmos daqueles que são disponibilizados para a Igreja[9]”.
Se Murray não acha que a colocação de um hinário inspirado no meio do cânon é significativa ou que sua designação por Deus como um “Livro de Louvor” indica uma autorização divina para seu uso no culto público, então (se consistente) ele também poderia argumentar que o cânon completo das Escrituras não nos dá nenhuma indicação específica de que os 66 livros canônicos devem ser usados para a leitura das Escrituras no culto público. Tal raciocínio, é claro, é absurdo.
Outro argumento baseia-se no desrespeito (intencional ou não) completo à sola Scriptura ou ao Princípio Regulador do Culto. (Ou seja, a doutrina bíblica de que todos os elementos ou partes do culto devem ter prova bíblica ou autorização divina antes de serem permitidos no culto a Deus; veja Gênesis 4:3 – 5; Levítico 10:1, 2; Deuteronômio 4:2; 12:32; 2 Samuel 6:3 – 7; 1 Crônicas 15:13 – 15; Números 15:39, 40; 1 Reis 12:32, 33; Jeremias 7:24, 31; 19:5; Mateus 15:3, 9; 28:20; João 4:24; Colossenses 2:20 – 23 etc.) Murray escreve: — “Argumentar que, porque temos apenas um ‘Livro de Louvores’ inspirado, nada de composição meramente humana deve ser musicado para o louvor de Deus, é, portanto, fazer uma dedução que vai além do que as Escrituras realmente dizem[10]”. Esse argumento é enganoso e falacioso, pois simplifica excessivamente e deturpa a maneira como os defensores da Salmodia Exclusiva argumentam. Aqueles que defendem canções inspiradas no culto não oferecem um argumento tão unilateral. Eles não dizem simplesmente: — “A Bíblia tem um hinário inspirado, portanto, hinos feitos pelo homem são proibidos”. Pelo contrário, eles apontam que não apenas a Bíblia tem um hinário inspirado e suficiente, mas não há nenhuma evidência bíblica de que Deus tenha autorizado canções não–inspiradas para o culto a Jeová. Não há mandamentos divinos sobre canções feitas pelo homem no culto. Não há exemplos históricos dos santos de Deus usando hinos não–inspirados em toda a Bíblia, e não há deduções genuínas ou sólidas das Escrituras que possam ser feitas para canções não–inspiradas no culto público. Os defensores da Salmodia Exclusiva não precisam encontrar um mandamento explícito proibindo hinos não–inspirados no culto, nem precisam fazer tal dedução. O Princípio Regulador já fez isso essencialmente. O que Murray precisa fazer é parar com as cortinas de fumaça e ofuscações e ir diretamente às Escrituras e demonstrar que Deus autorizou hinos não–inspirados para o elemento de canto no culto público. Em seu livreto, ele nunca faz isso. Em vez disso, ele recorre à história da Igreja e cita seletivamente puritanos ou presbiterianos que concordam com ele.
O próximo argumento de Murray baseia-se no desrespeito aos diferentes elementos do culto público. Ele escreve: — “Em nenhum lugar nas Escrituras é apresentada a ideia de que o louvor falado deve ser restrito às palavras da Bíblia, palavras designadas pelo Espírito Santo; por que, então, o louvor cantado deveria ser diferente? Além disso, como já foi dito, o Livro dos Salmos contém muitas orações. Ele poderia ser chamado de Livro de Orações, bem como de Livro de Louvores. Nesse aspecto, não há nada comparável a ele em outras partes das Escrituras, mas ninguém sustenta que as orações da Igreja devam ser sempre restritas às palavras inspiradas que Deus nos deu[11]”. Essa argumentação deve ser rejeitada por várias razões.
Primeiro, mais uma vez, Murray escreve como se o Princípio Regulador do Culto não existisse. A questão não é se há uma declaração explícita ou “a ideia” de que hinos não–inspirados são proibidos pelas Escrituras. A questão que precisa ser respondida é: — O uso de hinos não–inspirados é autorizado por Deus para uso no culto público? A resposta para essa pergunta é não. Eles não são. Em toda a Bíblia, não há imperativos divinos ou mandamentos explícitos para canções não–inspiradas no culto. Além disso, se alguém estudar cuidadosamente as Escrituras, verá que a inspiração divina era um pré–requisito para escrever canções de culto para a Igreja (veja Êxodo 15:20, 21; Juízes 5; 2 Samuel 23:1, 2; 2 Reis 23:2; 1 Crônicas 25:1 – 7; 2 Crônicas 29:25 – 30; 34:30; 35:15; os títulos dos Salmos 39, 62, 77; Atos 1:16 etc.). A Bíblia ensina que a composição de hinos para o culto público exigia um dom profético. Não era para qualquer um que decidisse compor uma canção. Além disso, não há um único exemplo histórico registrado nas Escrituras de uma canção não–inspirada no culto público, nenhum! Se nosso irmão nos mostrar nas Escrituras que hinos não–inspirados foram ordenados por Deus ou usados no culto público antes do fechamento do cânon das Escrituras, abraçaremos de bom grado a hinódia não–inspirada. Enquanto isso, manteremos firme a vontade revelada de Deus.
Segundo, Murray recorre ao velho argumento contra a Salmodia Exclusiva de que, uma vez que somos autorizados a criar nossas próprias orações, também deveríamos poder criar nossas próprias canções de culto. Embora ninguém negue que louvor, orações, leitura da Bíblia e pregação possam, às vezes, ter coisas em comum, a tentativa de Murray de apagar a distinção entre oração e canto de louvor como elementos distintos do culto público é antibíblica e não confessional. Na Confissão de Fé de Westminster: — oração, leitura das Escrituras, canto de salmos, pregação e recepção dos sacramentos são todos descritos como “partes” ou elementos separados do culto público. Cada elemento distinto do culto é até mesmo comprovado pela confissão.
A razão pela qual a Confissão faz essas distinções é simples. A Bíblia nos diz quais são os elementos distintos do culto (por exemplo, pregação – Mateus 26:13; Marcos 16:15; Atos 9:20; 17:10; 20:8; 1 Coríntios 14:28; 2 Timóteo 4:2; leitura da palavra de Deus – Marcos 4:16-20; Atos 1:13; 13:15; 16:13; 1 Coríntios 11:20; 1 Timóteo 4:13; Apocalipse 1:13; oração a Deus – Deuteronômio 22:5; Mateus 6:9; 1 Coríntios 11:13 – 15; 1 Tessalonicenses 5:17; Filipenses 4:6; Hebreus 13:18; Tiago 1:5; o canto de Salmos – 1 Crônicas 16:9; Salmos 95:1, 2; 105:2; 1 Coríntios 14:26; Efésios 5:19; Colossenses 3:16) e estabelece regras diferentes para cada elemento específico do culto. Por exemplo, às mulheres é concedido o direito de entoar louvores na Igreja (Efésios 5:19; Colossenses 3:16; Tiago 1:5 etc.); contudo, não lhes é permitido exercer o ofício da pregação (1 Coríntios 14:34, 35; 1 Timóteo 2:11 – 14), tampouco dirigir a oração pública, ler as Escrituras em público ou administrar os sacramentos. Isso significa que o Princípio Regulador (ou seja, sola Scriptura na esfera do culto público) deve ser cuidadosamente aplicado pela Igreja a cada elemento separado. Se não for isso o que o Rev. Murray deseja que façamos, então o resultado inevitável será o caos litúrgico nas Igrejas. Se alguém ignora o fato de que o canto de louvor é um elemento separado do culto e afirma que o Livro dos Salmos pode ser tratado como um livro de orações da mesma maneira que um manual de louvor, então, logicamente, poderia eliminar o elemento de canto de louvor na Igreja e substituí-lo por oração corporativa. Murray, é claro, rejeitaria tal movimento; mas quando sua posição é levada ao seu fim consistente, esse seria o resultado.
Além disso, um exame cuidadoso das Escrituras revela que a Bíblia de fato nos diz o conteúdo apropriado e autorizado de cada elemento. Enquanto o dom profético ou inspiração divina (como observado acima) era necessário para escrever canções de louvor para o culto público, a Bíblia autoriza o uso de nossas próprias palavras não–inspiradas na oração, desde que sigamos o padrão ou modelo dado por Cristo (cf. Mateus 6:9). Deus promete a seu povo que o Espírito Santo os assistirá quando formarem suas orações (cf. Zacarias 12:10; Romanos 8:26, 27). Portanto, quando Murray essencialmente pergunta: — “Se podemos criar nossas próprias palavras na oração, então por que não podemos também criar nossas próprias canções de culto?”, a resposta é simples. Deus autoriza nossas próprias palavras na oração, mas tem um requisito diferente para o louvor[12].
O próximo argumento de Murray baseia-se no fato de que “a poesia hebraica […] é muito diferente da nossa[13]”. Consequentemente, “deve haver um forte argumento para dizer que as Igrejas que cantavam os Salmos estavam mais corretas[14]”. Murray prossegue explicando que, uma vez que cantar os Salmos provavelmente não seria edificante hoje, os Salmos precisam ser colocados em métrica inglesa. Isso, Murray afirma, envolveria adicionar palavras aos Salmos que não estão lá. Esse argumento, em sua essência, é que uma verdadeira Salmodia Exclusiva não é viável hoje devido às grandes dificuldades em transformar a poesia hebraica em poesia inglesa cantável. Em outras palavras, se os Salmos métricos são traduções infiéis, por que não ser totalmente consistente e ter paráfrases soltas deliberadas e até mesmo novas canções completamente? Esse argumento, em diferentes variações, é bastante comum.
Há várias razões pelas quais esse argumento deve ser rejeitado. Primeiro, esse argumento (mesmo que aceitemos todas as pressuposições de Murray) não refuta de forma alguma a Salmodia Exclusiva. No máximo, provaria que as Igrejas precisam ser muito cuidadosas e exatas ao traduzir os Salmos em métrica. Se tal tarefa é impossível, o que Murray implica (a propósito, não é impossível), então as Igrejas devem aprender a cantar os Salmos sem métrica (há Igrejas que já aprenderam a fazer isso a partir da Nova Versão King James). Se um cristão reformado está verdadeiramente convencido de que os Salmos métricos são inerentemente defeituosos e, portanto, infiéis ao mandamento de cantar Salmos, então, em vez de recorrer a paráfrases grosseiras e composições não–inspiradas, as quais são ainda mais infiéis, ele deveria cantar a fraseologia original a partir de uma tradução literal.
Segundo, a lógica do argumento de Murray é seriamente falha. O argumento de Murray assume que, se uma paráfrase menor dos Salmos é errada, então paráfrases grosseiras e hinos não–inspirados são, portanto, corretos. Esse tipo de lógica é como afirmar que, uma vez que a raiva injustificada no coração é errada, a violência física e o assassinato são justificados. Ou, se o grupo A está fazendo algo errado, o grupo B também pode fazer algo ainda pior. Se há Igrejas que estão usando traduções infiéis dos Salmos ou versões métricas que são paráfrases soltas, então a única solução bíblica é arrepender-se e usar uma tradução fiel.
Murray em seguida, volta sua atenção para saber se pode ser provado que a Salmodia Exclusiva pode ser aplicada à era do Novo Concerto. Ele escreve: — “Se pudesse ser provado que o Saltério sozinho era o louvor autorizado da Igreja do Antigo Testamento, ainda seria uma proposição completamente diferente estabelecer que ele deve permanecer o único manual para o Novo[15]”. Murray então apela a Efésios 5:19 e 1 Coríntios 14:26. Ele aponta que, de todos os comentaristas de que tem conhecimento, nenhum toma a posição de que Efésios 5:19 se refere ao Saltério do Antigo Testamento. Ele também cita Charles Hodge em 1 Coríntios 14:26 (“Cada um de vós tem um salmo”) que diz: — “tal canção dada por inspiração, e não um dos Salmos de Davi[16]”.
Em relação à argumentação de Murray, temos duas considerações. Primeiro, a passagem de 1 Coríntios 14:26 pode de fato ensinar que, antes do fechamento do cânon do Novo Testamento, algumas pessoas na Igreja que tinham o dom da profecia recebiam novas canções divinamente inspiradas pelo Espírito Santo. Tal interpretação certamente se encaixa no contexto onde Paulo está discutindo o uso adequado dos dons revelatórios. Mas perguntamos: — Essa interpretação desaprova a ideia de que apenas canções divinamente inspiradas são permitidas no culto público? Não, de forma alguma! Na verdade, ela suporta a posição de que a inspiração divina era um pré–requisito para escrever canções de culto para a Igreja. Portanto, no máximo, poder-se-ia recorrer a 1 Coríntios 14:26 como um possível texto de prova para justificar a inclusão, no culto público, daquelas poucas canções de adoração inspiradas que, embora encontradas nas Escrituras, não foram reunidas por Deus no Livro dos Salmos. Além disso, se a Igreja apostólica tinha algumas novas canções de culto divinamente inspiradas, isso não afeta esse debate porque: — [a] – como observado, Murray está argumentando por composições não–inspiradas; [b] – os dons revelatórios cessaram e, portanto, não há homens qualificados para compor novas canções inspiradas; e [c] – não há canções inspiradas do Novo Concerto que sobreviveram.
O fato de que a Igreja apostólica não produziu um hinário de canções inspiradas ou não–inspiradas para o culto público é notável. O período de atividade revelatória durou pelo menos quarenta anos. Se hinos estavam sendo compostos, copiados e distribuídos para todas as diferentes Igrejas (o que se poderia esperar se a posição de Murray fosse verdadeira), então haveria muitos hinos sobreviventes do primeiro século. Mas não há nenhum, nem mesmo um. Se a hinódia floresceu na Igreja apostólica, como muitos supõem, é de fato notável que nenhum hino tenha sido descoberto desse período. Também é notável que o Novo Testamento não contenha hinos[17].
Em segundo lugar, a passagem de Efésios 5:19 (cf. Colossenses 3:16) tampouco sustenta o uso de hinos não–inspirados no culto. Pelo contrário, trata-se de um excelente texto de prova em favor da utilização do Saltério no culto do Novo Concerto. Ainda que uma exegese longa e minuciosa dessa passagem ultrapasse os limites deste ensaio, algumas observações se mostram dignas de nota.
[1] – As palavras “salmos, hinos e cânticos espirituais” são melhor definidas não pelo uso moderno ou pela literatura pagã antiga, mas examinando como essas palavras são usadas no contexto do culto na palavra de Deus. Na tradução grega do Antigo Testamento (a Septuaginta), quando se fala de culto, as palavras “salmo” (psalmos), “hino” (humnos) e “cântico” [espiritual] (odee) nunca, jamais são usadas para descrever hinos não–inspirados, mas são sempre usadas para descrever as canções no Saltério ou seus equivalentes inspirados. A palavra “psalmos” ocorre 78 vezes nos Salmos (67 vezes nos títulos dos Salmos). O termo “humnos” é encontrado em 13 Salmos (em 6 títulos) e “odee” é encontrado em 45 Salmos (36 títulos). “Em 2 Samuel, 1 e 2 Crônicas e Neemias, há cerca de 16 exemplos nos quais os Salmos são chamados de ‘hinos’ (humnoi) ou ‘cânticos’ (odai) e o canto deles é chamado de ‘hinódia’ (humneo, humnodeo, humnesis)[18]”. Além disso, nos títulos dos Salmos, é comum encontrar esses termos combinados. Nos títulos dos Salmos, 12 vezes “salmo” e “cântico” são combinados. Duas vezes, “salmo” e “hino” são colocados juntos. Um título de Salmos (76)[19] até combina todos os três (“salmo, hino e cântico”), como em Efésios 5:19 e Colossenses 3:16. Portanto, comparando Escritura com Escritura, temos uma sólida garantia exegética para interpretar “hinos” e “cânticos espirituais” da mesma maneira que “salmos”, porque todos os três termos são repetidamente usados nas Escrituras para descrever os Salmos do Saltério canônico.
[2] – A expressão “salmos, hinos e cânticos espirituais” era um método literário triádico comum para expressar um pensamento ou objeto importante: — o Livro dos Salmos. A Bíblia contém muitas dessas expressões triádicas (por exemplo, Êxodo 34:7, “iniquidade e transgressão e pecado”; Deuteronômio 5:31; 6:1, “mandamentos e estatutos e juízos”; Deuteronômio 6:5, “coração […] alma […] e força”; Mateus 22:37, “coração […] alma […] e mente” (cf. Marcos 12:30; Lucas 10:27); Atos 2:22, “milagres e prodígios e sinais”; Efésios 5:19; Colossenses 3:16, “salmos e hinos e cânticos espirituais”). Quando os propagadores de hinos não–inspirados se agarram à palavra “hino” como se ela autorizasse as canções de Watts ou Wesley (ambos hereges), eles estão agarrando palhas.
[3] – Na passagem paralela, Colossenses 3:16, o contexto imediato indica que os três termos usados por Paulo descrevem uma parte da Palavra infalível de Deus. O Apóstolo diz: — “A palavra de Cristo habite em vós abundantemente” (Colossenses 3:16). A expressão “palavra de Cristo” é sinônima da “palavra de Deus”. O Filho de Deus pré–encarnado foi o Autor dos Salmos (cf. 1 Pedro 1:11).
[4] – A gramática da passagem também indica que os três termos usados por Paulo descrevem apenas canções inspiradas pelo Espírito. No grego, o adjetivo “espiritual” (ou seja, do Espírito, dado pelo Espírito, ou determinado pelo Espírito Santo [isto é, “inspirado” ou “sopradas por Deus”]) pode se aplicar a todos os três substantivos anteriores. A palavra “pneumatikos” [“espiritual”] qualifica todos os três dativos e é feminina em gênero devido ao gênero do substantivo mais próximo a ela (cânticos). Isso significa que todos os três termos “salmos, hinos e cânticos” são “espirituais” ou inspirados pelo Espírito Santo[20]. Pessoas que apelam a Efésios 5:19 como um texto de prova para hinos não–inspirados no culto público não seguiram princípios sólidos de interpretação bíblica.
A próxima seção de Murray, que começa com o título: — “O Princípio Regulador”, está realmente mal rotulada; pois, após um comentário errôneo sobre o Princípio Regulador[21], Murray passa quase 9 páginas discutindo história da Igreja. O propósito dessa seção é refutar a afirmação dos defensores da Salmodia Exclusiva de que “as melhores Igrejas reformadas e autores” acreditavam que hinos não–inspirados no culto público não eram autorizados. Há várias observações e comentários que precisam ser expressos em relação a essa seção.
Primeiro, a menos que alguém seja católico romano ou um “Steelite[22]”, a história da Igreja não pode resolver controvérsias em doutrina, ética ou culto (leia a Confissão de Fé de Westminster 1:10). Murray até reconhece esse fato na página 20. É bastante estranho que, em um livreto de apenas 32 páginas, Murray passe nove páginas citando seletivamente puritanos e presbiterianos que podem ter considerado hinos não–inspirados como permitidos. Dado o fato de que Murray é um excelente historiador, isso é talvez compreensível. No entanto, mais uma vez, apontamos que o livreto é quase desprovido de exegese e não contém nenhuma prova real das Escrituras de que hinos não–inspirados são autorizados por Deus.
Segundo, a maneira como Murray apela à história da Igreja é frequentemente muito enganosa. Essa afirmação será demonstrada pelas seguintes observações.
[A] – Os puritanos tinham divergências em várias questões (batismo, governo da Igreja, erastianismo[23], justificação desde a eternidade, o magistrado civil e a lei bíblica etc.), e não é difícil para um historiador com acesso a uma boa biblioteca reunir citações seletivamente para dar uma imagem unilateral e distorcida. Os defensores da Salmodia Exclusiva nunca afirmaram que todas as Igrejas reformadas ou puritanos aderiam à Salmodia Exclusiva[24]. Mas, ao contrário da seção histórica de Murray, pode ser provado que era a posição dominante dos presbiterianos desde o período da primeira reforma na Escócia até a segunda metade do século XVIII. A Salmodia Exclusiva também era a posição do Sínodo de Dort (1618 – 1619), um grande sínodo reformado internacional[25].
[B] – É bem conhecido por historiadores que Calvino limitou as canções usadas no culto público aos Salmos e algumas versões métricas de porções das Escrituras. Não há evidências históricas de que Calvino realmente escreveu “Eu te saúdo, que és meu seguro Redentor”, ou que isso foi cantado nas Igrejas reformadas naquela época. Calvino pode não ter sido um defensor consciente da Salmodia Exclusiva como muitos que o seguiram. Mas é desonesto apresentá-lo como um apoio à hinódia não–inspirada. Curiosamente, a mesma autora (Louise F. Benson) que Murray citou para demonstrar que Calvino não era um defensor da Salmodia Exclusiva escreveu em uma obra diferente: — “O hino de composição humana, que havia conquistado com tanta dificuldade um lugar restrito na liturgia da Igreja Latina, que havia se desenvolvido tão fenomenalmente na Reforma Alemã, agora está excluído do culto reformado. As canções inspiradas das Escrituras, substancialmente o Saltério do Antigo Testamento, fornecem o assunto exclusivo de louvor[26]”.
Quanto à questão de se Calvino tinha uma posição principiológica contra hinos não–inspirados no culto público, os comentários de Bushell são acertados. Ele escreve: — “É um fato histórico inegável que canções não–canônicas foram excluídas dos cultos em Genebra e que essa situação decorreu da influência e do desejo de Calvino. É improvável que ele tivesse seguido tal curso de ação, a menos que sentisse que isso era exigido pelas Escrituras, considerando especialmente a importância que ele atribuía ao canto congregacional […]. Há também o fato de que, ao longo de sua longa história de desenvolvimento, o Saltério de Genebra nunca incluiu um único hino[27]”. A única vez que Calvino falou especificamente sobre essa questão por escrito, ele disse: — “[…] Ninguém pode cantar o que é digno de Deus a menos que o tenha recebido diretamente dEle. Assim, após buscarmos em todas as direções, procurando aqui e ali, não encontraremos canções mais excelentes ou adequadas ao nosso propósito do que os Salmos de Davi, inspirados e compostos por ele pelo Espírito Santo. Ao cantá-los, temos a certeza de que Deus colocou essas palavras em nossas bocas, como se Ele mesmo estivesse cantando em nós para exaltar sua glória. [A Igreja] deve, portanto, habituar-se a entoar esses cânticos divinos e celestiais ao lado do bom rei Davi[28]”.
[C] – As inferências de Murray sobre a Igreja escocesa do período da primeira reforma são completamente injustificadas. Ele escreve: — “O Saltério Escocês de 1564, que permaneceu em uso geral até a época da Assembleia de Westminster, foi baseado em grande parte no trabalho de Sternhold e Hopkins. Embora suas versões geralmente se mantivessem mais próximas do original do que as paráfrases, elas claramente não foram compostas com a convicção de que nada além do texto bíblico pudesse ser introduzido[29]”. Em relação a essa afirmação, fazemos as seguintes observações. Realmente não há como Murray saber se esses homens acreditavam no uso de hinos não–inspirados no culto público, a menos que ele possa produzir uma declaração nesse sentido. Além disso, quaisquer que fossem os pensamentos desses homens, a Igreja da Escócia como um todo era contrária aos hinos não–inspirados e não permitia seu uso no culto público. Se a Igreja da Escócia não tinha nada contra hinos não–inspirados, o que Murray implica, então por que eles não usaram hinos, adotaram o uso de um hinário ou designaram membros do Presbitério para produzir hinos para uso público?
[D] – Os Padrões de Westminster, que são o auge da Reforma Protestante e dos credos reformados, tomam explicitamente uma posição de Salmodia Exclusiva tanto na Confissão de Fé (“A leitura das Escrituras com temor piedoso; a pregação sadia, e a audição conscienciosa da palavra […]; o canto de salmos com graça no coração […] são todas partes do culto religioso ordinário de Deus” [21:5]) quanto no Diretório para o Culto Público de Deus (“Após a leitura da palavra, (e o canto do salmo), o ministro que deve pregar […]. É dever dos cristãos louvar a Deus publicamente, cantando Salmos juntos na congregação, e também privadamente na família. Ao cantar Salmos, a voz deve ser ordenada de maneira afinada e grave; mas o principal cuidado deve ser cantar com entendimento, e com graça no coração, fazendo melodia ao Senhor. Para que toda a congregação possa participar disso, todos que sabem ler devem ter um livro de Salmos; e todos os outros, incapacitados por idade ou de outra forma, devem ser exortados a aprender a ler. Mas, por enquanto, onde muitos na congregação não sabem ler, é conveniente que o ministro, ou alguma outra pessoa adequada designada por ele e pelos outros oficiais governantes, leia o salmo, linha por linha, antes do canto[30]”). Essas citações provam que a palavra salmo ou Salmos não se refere a canções de culto em geral, sejam inspiradas ou não–inspiradas, mas ao Livro dos Salmos em particular.
Aqueles que argumentam que a palavra “salmo” nos Padrões de Westminster é apenas um termo geral para qualquer canção de culto, seja inspirada ou não–inspirada, são facilmente refutados pela leitura das Atas das Sessões da Assembleia de Westminster de Divinos[31]. Esta obra demonstra, sem sombra de dúvida, que: — hinos não–inspirados nunca foram sequer considerados pela assembleia; e nenhum ministro ou representante jamais reclamou, ou argumentou, que hinos não–inspirados deveriam ser incluídos no culto público. As únicas questões principais de debate foram se outras traduções dos Salmos em métrica seriam permitidas além do Saltério de Rouse; e houve alguma discussão sobre a questão de entoar os Salmos linha por linha[32].
Após o declínio no presbiterianismo escocês e americano no século XVIII (ou seja, uma perda de ênfase e entendimento do Princípio Regulador do Culto e a influência negativa do revivalismo sentimental pietista), as paráfrases de Watts e depois os hinos não–inspirados fizeram muitas incursões nos grandes corpos presbiterianos. A Salmodia Exclusiva foi oficialmente (ou seja, constitucionalmente) abandonada pela PCUSA em 1788, quando seu novo diretório para o culto mudou a declaração no diretório original (1644), “Canto de Salmos”, para “cantando Salmos e hinos”. O livro de Watts, Hinos, foi oficialmente sancionado pela PCUSA em 1802. O primeiro hinário presbiteriano oficial não apareceu até 1831[33].
Concluímos esta breve seção histórica com um lembrete de que a melhor maneira de verificar a posição dos presbiterianos sobre Salmodia Exclusiva e hinos não–inspirados no passado não é citar as opiniões de alguns ministros aqui e ali; mas, sim, olhar para a discussão corporativa de sínodos, assembleias gerais ou conselhos.
A última seção do livreto de Murray é chamada “o caso positivo para hinos”. Murray escreve: — “Acredito que pode ser argumentado a partir do Novo Testamento não simplesmente que o caso para hinos é deixado em aberto, mas há boas razões para acreditar que o louvor da Igreja não foi destinado a ser deixado exatamente onde estava na antiga dispensação[34]”. Nesta seção, Murray dá várias razões pelas quais ele acredita que os hinos são essencialmente superiores ao Livro dos Salmos. Consideraremos brevemente cada argumento.
Primeiro, após notar muitas das diferenças entre as administrações do Antigo e do Novo Concerto, Murray escreve: — “Toda a verdade evangélica pode ser encontrada no Saltério, mas não no grau em que agora é conhecida”. Se por isso Murray está argumentando que o Saltério é insuficiente porque todos os detalhes minuciosos sobre Cristo e o Evangelho não são encontrados dentro dele, então respondemos com as seguintes observações.
[A] – Embora o Saltério não revele todos os detalhes e doutrinas do Novo Testamento — tampouco do Antigo, pois os Salmos não narram minuciosamente a história de Israel, nem expõem toda a Lei divina ou os escritos dos profetas —, ele nos oferece um quadro amplo e suficiente do que é necessário para o nosso louvor, quando integrado aos demais elementos do culto.A verdade é que nenhum elemento do culto público foi projetado por Deus para nos dizer tudo no culto, independentemente dos outros elementos. Embora os Salmos estejam cheios de rica doutrina e ensino, seu propósito central é o louvor. Eles não foram projetados para substituir a leitura das Escrituras ou o sermão.
Além disso, o Saltério revela um retrato tão claro de Cristo e sua obra que qualquer sugestão de que eles são inadequados em sua exposição da obra de Cristo está errada. Isso mostra ou uma falta de entendimento sobre seu conteúdo, ou é simplesmente uma tentativa de formar uma desculpa para o homem adicionar ao que Deus nos deu para o louvor. Os Salmos ensinam a divindade de Cristo (Salmos 45:6; 110:1), sua filiação eterna (Salmos 2:7), sua encarnação (Salmos 8:5; 40:7 – 9), seus ofícios mediadores como Profeta (Salmos 40:9, 10), Sacerdote (Salmos 110:4) e Rei (Salmos 2:7 – 12; 22:18; 45:6; 72; 110:1). Os Salmos fornecem detalhes inspirados pelo Espírito sobre a traição de Cristo (Salmos 41:9), sua agonia no jardim (Salmos 22:2), seu julgamento (Salmos 35:11), sua rejeição (Salmos 22:6; 118:22), sua crucificação (Salmos 22; 69), seu sepultamento e ressurreição (Salmos 16:9 – 11), sua ascensão (Salmos 24:7 – 10; 47:5; 68:18), e sua segunda vinda e julgamento (Salmos 50:3, 4; 98:6 – 9). Eles também nos falam da vitória do reino de Cristo (Salmos 2:6 – 12; 45:6 e seguintes). Alguns Salmos revelam tanta informação vital sobre a Pessoa e Obra de Cristo que são chamados de Salmos messiânicos (Salmos 2, 8, 16, 22, 40, 45, 69, 72, 110)[35].
[B] – Embora o Saltério não seja exaustivo em nos dizer tudo no Antigo ou Novo Testamento, também não são os hinários não–inspirados. De fato, o Livro dos Salmos é muito mais rico, melhor e mais doutrinariamente completo e equilibrado do que qualquer hinário moderno. Os escritores de hinos historicamente evitaram os aspectos judiciais do caráter de Deus em favor do amor e da felicidade celestial. Eles evitaram os importantes aspectos imprecatórios do louvor que, ao contrário de Murray, não são inadequados na era do Novo Concerto. Os hinos não contêm advertências contra confiar em príncipes (Salmos 146:3, 4) e certamente não enfocam a doutrina da criação de uma maneira que se aproxime do Saltério (por exemplo, veja Salmos 146:6). Os hinários não contêm as muitas antíteses entre os justos e os ímpios que são encontradas no Saltério. Tampouco contêm declarações tão surpreendentes sobre a santa Lei de Deus como encontrado no Salmos 119. Tais exemplos poderiam ser multiplicados extensivamente. Uma vez que é impossível colocar toda a história bíblica, profecia e doutrina em um manual de louvor, isso levanta uma questão importante. Quem você acha que deve decidir o que pertence ao manual de louvor da Igreja – Deus ou o homem pecador?
Murray se recusa a reconhecer que a história da hinologia é uma história de declínio. É apenas uma questão de curso para seres humanos pecadores negligenciarem doutrinas impopulares em seus hinários. Mesmo que um hinário produzido humanamente não contivesse doutrinas não–ortodoxas, ainda seria grosseiramente desequilibrado teologicamente ao enfatizar doutrinas populares enquanto ignora os ensinamentos menos populares. Talvez, porque as canções de louvor estão nos lábios do povo de Deus semana após semana e dia após dia, uma razão pela qual Deus limitou seu uso a canções divinamente inspiradas foi para nos proteger de nós mesmos; para garantir que o culto não se tornasse centrado no homem, desequilibrado ou mesmo herético[36].
Segundo, Murray acha que é inadequado usar apenas a terminologia do Antigo Concerto no louvor do Novo Concerto. Ele escreve: — “É então crível que a linguagem do louvor cristão deva ser confinada às palavras de uma era de muito menos luz e privilégio?[37]”. Há vários problemas com essa pergunta.
[A] – Embora os Salmos contenham alguns louvores expressos na terminologia das sombras do Antigo Concerto das coisas porvir, grande parte do livro é fácil de entender e poderia ter sido escrito em qualquer dispensação. Além disso, com o cânon do Novo Testamento completo, entendemos plenamente o significado desses conceitos. De fato, o Saltério foi menos útil e muito mais difícil como um manual de louvor para os santos do Antigo Testamento do que para os do Novo. Os próprios Apóstolos não entenderam como Jesus de Nazaré cumpriu muitas das profecias do Antigo Testamento até que Cristo se manifestasse a eles após a ressurreição (Lucas 24:44 – 49; João 20:19 – 31). Argumentar que o Saltério é insuficiente, precisamente no momento em que se tornou mais relevante e útil, carece de evidências bíblicas sólidas e de bom senso.
[B] – O fato de que Murray não gosta da realidade de que Deus escolheu reunir o hinário inspirado da Igreja antes da morte e ressurreição de Cristo é irrelevante. Murray e outros podem não gostar da realidade de que o Saltério contém muita terminologia do Antigo Testamento que deve ser vista através das lentes do Novo Testamento. Mas perguntamos, como isso prova a autorização divina para o uso de hinos não–inspirados? O fato de que algo não parece certo para nós ou que preferiríamos que algo fosse feito de maneira diferente não cumpre o requisito de prescrição divina para uma nova prática de culto. Murray ainda deve demonstrar a partir das Escrituras que o uso de hinos não–inspirados no culto público é ordenado, ou ele deve encontrar exemplos históricos do uso de hinos não–inspirados no culto público nas Escrituras. Seu livreto não contém tal argumentação.
Terceiro, Murray continua sua linha anterior de argumentação com a afirmação de que “é difícil, e às vezes impossível, fazer da linguagem de Davi e Asafe a expressão mais apropriada da experiência cristã[38]”. Murray apoia essa afirmação com duas linhas de raciocínio.
[A] – A primeira (seguindo Watts) é a ideia de que os Salmos imprecatórios, como escritos e intencionados, são inadequados para o louvor do Novo Concerto[39]. Esse argumento deve ser enfaticamente rejeitado porque essas orações pela destruição dos ímpios impenitentes foram escritas pelo Espírito Santo e estão enraizadas na natureza e caráter santo e justo de Deus. Como Senhor Soberano, Deus possui o direito de erradicar e destruir todos os seres malignos de sua criação. Se essas canções imprecatórias são inadequadas ou imorais para uso na era do Novo Concerto, elas também seriam erradas para uso na era do Antigo Concerto. A natureza e o caráter de Deus, bem como sua Lei moral, nunca mudam. As visões de Isaac Watts sobre essa questão são praticamente blasfemas.
[B] – A segunda linha de argumentação de Murray é talvez a mais surpreendente e absurda de todo o livreto. É aqui que Murray tenta demonstrar que há hinos não–inspirados que “expressam melhor os sentimentos do crente a Cristo crucificado” do que o Salmos 22. Murray pode preferir os hinos que cita ao Salmos 22, mas quem é ele para decidir o que outros cristãos pensam sobre o Salmos 22? É assim que o culto da Igreja do Novo Concerto deve ser decidido: — por sentimentos pessoais, impressões subjetivas, sentimentalismo e emocionalismo? É essa exaltação dos sentimentos subjetivos dos crentes que é responsável pela substituição das canções inspiradas, majestosas, desafiadoras e intelectuais do Saltério por canções pop carismáticas modernas e mantras ao estilo hippie. Além disso, ao contrário dos sentimentos subjetivos de Murray, não há hinos não–inspirados que cheguem perto do Salmos 22. Como observa Spurgeon: — “Para expressões de lamento que surgem de profundezas indizíveis de angústia, podemos dizer deste salmo, ‘não há nenhum como ele’. É a fotografia das horas mais tristes do Senhor, o registro de suas palavras moribundas, o lacrimatório de suas últimas lágrimas, o memorial de suas alegrias expirantes […]. Diante de nós, temos uma descrição tanto da escuridão quanto da glória da cruz, os sofrimentos de Cristo e a glória que seguirá. Ó, por graça para nos aproximarmos e vermos essa grande visão! Devemos ler reverentemente, tirando os sapatos dos pés, como Moisés fez na sarça ardente, pois se há solo sagrado em algum lugar nas Escrituras, é neste salmo[40]”.
Além disso, ao cantarmos o Salmos 22, podemos cantar com uma fé completa nesta descrição de Cristo crucificado, pois estamos cantando as próprias palavras de Deus. Mas, mesmo na escolha de hinos supostamente melhores de Murray, não podemos cantar com esse tipo de fé porque esses hinos são escritos por homens pecadores e falíveis. John W. Keddie escreve: — “O próprio Iain Murray menciona alguns hinos bem conhecidos que ele considera superiores aos Salmos ao falar da cruz (p. 25). Ele menciona ‘When I Survey the Wondrous Cross (Quando Eu Contemplo a Cruz Maravilhosa)’ de Cowper. No entanto, podemos perguntar: — Onde a Bíblia fala da cruz como ‘maravilhosa’? Por que Cowper não escreveu, ‘Quando Eu Contemplo a Cruz Amaldiçoada’ (em termos de Gálatas 3)? ‘O Sacred Head! Sore Wounded (Ó Cabeça Sagrada, Ferida ou Ó Cabeça Sagrada, Ensanguentada)’ de Paul Gerhardt também é mencionado. Mas por que foi considerado necessário em alguns hinários mudar o título para, ‘O Sacred Head Once Wounded (Ó Cabeça Sagrada, Outrora Ferida ou Ó Cabeça Sagrada, Antes Ferida)’? E novamente, em ‘And Can It Be’ de Charles Wesley, a imagem é exuberante e a música que a acompanha pode ser comovente. Mas olhe para o verso 3 e pergunte: — Cristo realmente se esvaziou de tudo exceto amor? O que isso significa? De onde Wesley tirou essa ideia [herética]?[41]”.
Quarto, Murray em seguida apresenta um argumento baseado na falta de certas expressões nos Salmos encontradas no Novo Testamento. Ele cita James Hamilton dizendo: — “Nunca lhe ocorre, como um estranho teste de espiritualidade, que você cantaria cânticos por cinquenta anos sem jamais mencionar Emanuel, a Rocha dos Séculos, o Cordeiro de Deus, a Ressurreição e a Vida? Não é um estranho sinal de crescimento na graça e de preparação para o céu, que você tenha estado cantando todo esse tempo sem ainda ter chegado ao nome de Jesus?[42]”. Embora esse seja um argumento muito comum contra a Salmodia Exclusiva, na realidade, é nada mais do que um apelo ao sentimentalismo sem fundamento bíblico. Esse ponto será demonstrado pelas seguintes observações.
[A] – A Bíblia não nos ordena a garantir que todas as diferentes designações para Deus ou Jesus sejam incluídas em nossas canções de louvor. Se o fizesse, a objeção de Murray seria significativa. Além disso, há nomes bíblicos para Cristo no Antigo Testamento que nem mesmo são explicitamente identificados ou usados no Novo Testamento (por exemplo, Jehovah Tzidkenu, [cf. Jeremias 23:5, 6]). Essa realidade, no entanto, não significa que o Novo Testamento é de alguma forma insuficiente e precisa ser suplementado pelo homem.
[B] – O argumento de Murray pressupõe que o culto a Jesus Cristo seja de alguma forma insuficiente ou inferior se tais designações bíblicas não forem usadas. Mas essas designações e a palavra “Jesus” não são intrinsecamente sagradas, místicas ou santas. Não servimos ou adoramos essas palavras, mas sim a Pessoa que essas palavras representam ou apontam. Portanto, se as ideias que essas palavras representam são encontradas no Saltério (e certamente estão), então a objeção de Murray não passa de um apelo inteligente às nossas emoções. Respeitamos todas as diferentes designações para Deus e Cristo nas Escrituras e não as usamos de maneira irreverente por causa da Pessoa por trás do nome.
Na Bíblia, a expressão “em nome” não se refere a um poder mágico conectado aos sons das sílabas, mas a um reconhecimento ou confirmação da pessoa que é nomeada. Quando Paulo diz: — “que ao nome de Jesus todo joelho se dobre” (Filipenses 2:10), ele se refere a um reconhecimento do poder, autoridade e majestade da Pessoa teantrópica, não das sílabas. “Ao nome de Jesus; não ao som da palavra, mas à autoridade de Jesus; todos devem prestar homenagem”. Como Calvino observa: — “[…] Paulo fala de toda a dignidade de Cristo, restringir seu significado a duas sílabas seria como alguém examinar atentamente as letras da palavra Alexandre, para encontrar nelas a grandeza do nome que Alexandre [o Grande] adquiriu para si mesmo. Tal sutileza, portanto, não é sólida, e o artifício é alheio à intenção de Paulo. Mas pior que ridículo é o comportamento dos sofistas sorbonistas[43], que inferem desta passagem que devemos dobrar os joelhos sempre que o nome Jesus for pronunciado, como se fosse uma palavra mágica, na qual toda virtude estivesse incluída no som dela. Paulo, ao contrário, fala da honra que deve ser prestada ao Filho de Deus — não a meras sílabas[44]”.
[C] – O próprio Jesus Cristo considerava perfeitamente aceitáveis os sinônimos bíblicos para o culto público. Observe a fórmula batismal dos próprios lábios do nosso Senhor: — “batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mateus 28). As únicas pessoas de que este autor tem conhecimento que exigem o uso da palavra “Jesus” durante o batismo são os antitrinitarianos do grupo “Somente Jesus”. Cristo nos ensina que não precisamos dizer a palavra “Jesus” para que o batismo seja bíblico. Uma referência à segunda pessoa da Trindade é suficiente. Portanto, seguindo o próprio raciocínio do nosso Senhor, as abundantes referências do Saltério à pessoa e à obra de Cristo são perfeitamente aceitáveis como louvor do Novo Testamento.
[D] – Os autores do Novo Testamento, escrevendo sob inspiração divina, substituíram a palavra grega “kurios” (“Senhor”) pela palavra hebraica que significa o nome do Pacto de Deus (Yahweh ou Jeová) ao citar passagens do Antigo Testamento (por exemplo, Mateus 3:3; Isaías 40:3; Atos 2:20, 21; Joel 2:31, 32; Marcos 1:3; Isaías 40:3; Atos 2:25; Salmos 16:8; Atos 2:34; Salmos 68:18 etc.). Ao fazer isso, eles seguiam geralmente a tradução grega do Antigo Testamento (a LXX), comumente usada pelos judeus de língua grega de sua época. Se havia algo especial ou único sobre a palavra Jeová em si, em vez da verdade ou significado por trás da palavra, então tal substituição teria sido antibíblica. Se sabemos que a palavra Senhor no Saltério se refere a Jesus Cristo, então cantar essa palavra é tão honroso quanto pronunciar a palavra “Jesus” em si.
[E] – Aqueles que apelam à ideia de que devemos cantar o nome de Jesus são inconsistentes. O mediador divino–humano nunca foi chamado de Jesus. Seu nome era Yehoshua, não Jesus. Não conhecemos hinos não–inspirados que falem de Yehoshua (com exceção do movimento judaico messiânico). Pode-se objetar dizendo, “Sim, mas Jesus é uma transliteração da palavra grega Iesous, a qual é uma transliteração da palavra hebraica Yehoshua. Portanto, a palavra inglesa Jesus representa Yehoshua”. Esse ponto é verdadeiro. No entanto, não prova que a palavra “Jesus” “é mais importante ter nos lábios do que outros nomes pelos quais Deus se faz conhecido[45]”. Quando os cantores de Salmos louvam o Redentor cantando as canções inspiradas das Escrituras, eles estão adorando Jesus Cristo da maneira que Ele ordenou. Isso é o que agrada a Deus. Não há evidências de que Deus prefira o nome de Jesus sobre outras designações. O argumento do “nome de Jesus” é uma suposição sem evidências.
[F] – O nome Jesus ou Yehoshua significa “Jeová é salvação”. Esse nome foi dado por um anjo a Maria para indicar a missão da criança. “Você chamará seu nome JESUS, pois Ele salvará seu povo de seus pecados” (Mateus 1:21). O propósito do nome é nos ensinar sobre o papel de Cristo como o redentor dos eleitos de Deus. Os Salmos nos ensinam sobre o papel de Cristo como Salvador? Sim, eles o fazem abundantemente (por exemplo, Salmos 2:7 – 12; 8:5; 16:9 – 11; 22; 24:17 – 10; 35:11; 40:7 – 9; 41:9; 45:6 e seguintes; 47:5; 50:3, 4; 68:18; 69; 72; 110 etc.). Dado o fato de que o Saltério nos dá um quadro claro de Cristo e sua obra redentora, a ideia de que devemos cantar o nome de Jesus para adorá-lo adequadamente simplesmente não é verdade. Mais uma vez, deve-se enfatizar que é o que o nome representa ou aponta que é importante. Uma vez que alguém entende as riquezas doutrinárias contidas no Saltério, ele entenderá que o argumento do “nome de Jesus” é realmente apenas uma desculpa para se afastar do manual de louvor todo suficiente que Deus nos deu – os Salmos.
Quinto, o argumento final de Murray baseia-se em sua interpretação da história da Igreja. Ele escreve: — “Acredito que há uma confirmação da história do argumento de que as maiores bênçãos da era do Novo Testamento justificam formas adicionais de louvor. Não é acidental que as eras que foram mais ricas na produção de hinos espirituais tenham sido aquelas em que houve uma nova medida do Espírito dada às Igrejas[46]”. Há vários problemas com essa afirmação.
[A] – Simplesmente não é verdade. A Igreja apostólica, que estabeleceu Igrejas cristãs por todo o Império Romano, não produziu hinos ou hinários. A reforma sob João Calvino, que produziu a maior escola para Cristo naquela época em todo o mundo e alcançou a mais completa reforma da doutrina, culto e governo da Igreja, não produziu novos hinos ou hinários. Poderíamos adicionar o trabalho surpreendente de João Knox e Andrew Melville; o avivamento abalador do mundo de 1638 e homens como George Gillespie, Samuel Rutherford e Robert Baillie. Houve também o trabalho da Assembleia de Westminster de Divinos, que produziu a melhor confissão da Igreja que o mundo já viu. Mais uma vez, Murray está apresentando uma interpretação muito tendenciosa e unilateral da história da Igreja.
[B] – Murray essencialmente ignora o fato de que o revivalismo dos séculos XVIII e XIX foi uma mistura que frequentemente produziu frutos podres. O revivalismo de homens como John e Charles Wesley com sua mistura de Teologia corrupta e hinos não–inspirados foi parte da queda da religião evangélica nas Ilhas Britânicas e nos Estados Unidos. Os hinos frequentemente se tornam pequenos cavalos de Troia, expondo as pessoas ao pietismo antibíblico, arminianismo, conceitos humanísticos de amor e justiça, conceitos distorcidos dos atributos de Deus, conceitos feministas modernos da Igreja e da família e até conceitos coloniais/racistas da Grã–Bretanha. Por exemplo, uma vez que a Igreja Presbiteriana nos EUA se desvinculou do Princípio Regulador ou sola Scriptura no culto, era apenas uma questão de tempo para essa Igreja se mover em direção ao arminianismo, prelacismo[47] no culto e modernismo. Ao contrário das afirmações de Murray, poderia ser demonstrado que a autonomia humana no culto (ou seja, culto da vontade) historicamente levou à exaltação da vontade humana na salvação e na ética. Em resumo, o uso de hinos não–inspirados tem sido um desastre para as Igrejas reformadas.
De fato, pode-se argumentar que o uso de hinos não–inspirados e o conceito muito frouxo (e realmente inexistente) de autorização divina no qual a hinódia se baseia é diretamente responsável pela ampla tomada da “música cristã contemporânea” (ou seja, culto “pop” carismático–arminiano) em praticamente todas as denominações reformadas que outrora aderiam à velha hinódia não–inspirada. Mesmo em muitas Igrejas onde esse novo chamado “culto celebrativo” não tomou completamente os hinos tradicionais, a prática é geralmente um culto misturado com um pouco disto e um pouco daquilo. Essa realidade histórica demonstra que aqueles que semeiam o vento colherão o redemoinho. Quando as Igrejas reformadas permitiram a autonomia humana no culto, contrária à Bíblia e seus padrões, elas liberaram o monstro da tradição humana que agora não podem conter. A única solução para esse problema muito sério é voltar a uma interpretação confessional estrita do Princípio Regulador e do Saltério inspirado suficiente que Deus nos deu tão graciosamente.
Conclusão.
Após uma análise cuidadosa do livreto de Iain H. Murray, concluímos com algumas somas e observações importantes. Primeiro, Murray nunca produziu qualquer evidência de que hinos não–inspirados tenham sido autorizados por Deus. Ele não apresenta um único mandamento, exemplo histórico inspirado ou inferência lógica sólida a esse respeito. Em vez disso, Murray recorre principalmente a um apelo a certos indivíduos na história da Igreja que concordam com ele, e ele confia em argumentos baseados em sentimentalismo e emoção. Segundo, Murray apresenta uma visão muito unilateral e tendenciosa da história da Igreja. Ele cita seletivamente certos puritanos e ignora a decisão da Assembleia de Westminster sobre essa questão, que é explícita e inegável. Terceiro, as tentativas de Murray de argumentar a partir das Escrituras são ou completamente falaciosas, ou, no máximo, autorizariam apenas as poucas canções inspiradas nas Escrituras que estão fora do Saltério canônico. Dadas essas e outras considerações, pedimos a nosso querido irmão que se arrependa do declínio apresentado em seu livreto e, em vez disso, levante a bandeira da verdade em oposição às corrupções generalizadas no culto encontradas nas chamadas Igrejas reformadas de nossos dias.
Paz e graça.
Pr. Dr. Plínio Sousa[48].
[1] – Por Brian Schwertley (2007).
[2] – Iain H. Murray, Should the Psalter be the Only Hymnal of the Church? (Carlisle, PA: Banner of Truth, 2001), 4 – 5.
[3] – Murray afirma: — “É difícil, e por vezes impossível, fazer com que a linguagem de Davi e Asafe seja a expressão mais apropriada da experiência cristã” (23).
[4] – É notável que, em sua lista de “publicações recentes” favoráveis à Salmodia Exclusiva (ver nota 3), Iain Murray omita a obra moderna mais significativa sobre o tema: — The Songs of Zion: A Contemporary Case for Exclusive Psalmody, de Michael Bushell (Pittsburgh, PA: Crown & Covenant, [1977] 1980, 93).
[5] – Iain H. Murray, 6.
[6] – Ibid., 7.
[7] – Curiosamente, o Salmos 72 é identificado como um Salmos de Salomão, não de Davi. Seja o que for que Salmos 72:20 signifique, não pode indicar que todos os Salmos anteriores a este foram escritos por Davi.
[8] – “Porque no livro dos Salmos está escrito: — Fique deserta a sua habitação, e não haja quem nela habite, e: — Tome outro o seu bispado” (ACF). Este versículo é uma citação dos Salmos 69:25 e 109:8, aplicando-se à queda de Judas Iscariotes.
[9] – Michael Bushell, The Songs of Zion, 14 – 15. Curiosamente, vários estudiosos do Antigo Testamento referem-se ao Livro dos Salmos como o hinário do Segundo Templo (por exemplo, veja A. F. Kirkpatrick, The Book of Psalms [Grand Rapids: Baker, (1902) 1982], xv).
[10] – Iain Murray, 8.
[11] – Ibid.
[12] – Murray rejeita o ensino da Confissão de Fé de que as Escrituras definem até mesmo o conteúdo de cada elemento distinto do culto. Ele escreve: — “O Princípio Regulador controla quais devem ou não ser as partes do culto: — é o louvor cantado que é autorizado como uma parte, não as próprias palavras de que essa parte deve ser composta” (p. 11, ênfase adicionada). O problema com a afirmação de Murray é que ela contradiz explicitamente as Escrituras. A leitura das Escrituras requer a leitura exclusivamente da Bíblia, não dos Apócrifos. A pregação exige a exposição das Escrituras (Marcos 4:34; Lucas 24:27; Atos 2:14 – 40; 17:3; 18:26; 28:23 etc.), não dos Pais da Igreja ou do Bhagavad Gita. A oração requer seguir o padrão de Cristo com nossas próprias palavras ou petições não–inspiradas (Mateus 6:9). E o canto de louvor exige canções escritas pelo Espírito Santo (1 Crônicas 6:39; 15:17; 16:5 e seguintes; 25:1 – 7; 2 Crônicas 25:1 – 7; 29:25 – 30 etc.). Bushell escreve: — “Claramente, se a pregação, o canto e o ensino requerem autorizações distintas quanto a quem pode realizar esses atos no culto, então também requerem autorizações distintas quanto ao seu conteúdo verbal. Observações semelhantes podem ser feitas sobre o paralelo frequentemente mencionado entre oração e canto. Argumenta-se que, uma vez que nossas orações contêm palavras não–canônicas, nossas canções também podem contê-las. Mas ninguém argumentaria que, por orarmos no culto, não precisamos cantar no culto (tomando essas palavras aqui como geralmente entendidas), ou que, por termos um hinário para uso no culto, seria, portanto, permitido ter um livro de orações. O paralelo simplesmente não pode ser mantido consistentemente. O problema com toda essa linha de raciocínio é que ela abstrai os termos ‘oração’, ‘ensino’, ‘pregação’ e ‘canto’ de seu contexto escriturístico e os trata como nada mais que fenômenos linguísticos, em vez de aspectos vivos do culto bíblico. Tal procedimento é inválido e não pode deixar de levar a conclusões errôneas. Cantar, pregar e ensinar pressupõem um conteúdo e um contexto. Não se pode fazer justiça a esses conceitos sem manter seu contexto em mente” (The Songs of Zion, 49 – 50).
[13] – Iain H. Murray, 9.
[14] – Ibid., 10.
[15] – Ibid.
[16] – Charles Hodge, A Commentary on Ephesians (Carlisle, PA: Banner of Truth, [1856] 1964), 304.
[17] – O único recurso de um defensor de hinos não–inspirados em relação a 1 Coríntios 14:14 – 26 seria argumentar que essa passagem evidencia a insuficiência do Saltério para o culto público do Novo Pacto. No entanto, a possível inferência de insuficiência não justifica nem fornece autorização divina para hinos não–inspirados. O fato de que a Igreja apostólica não produziu um hinário inspirado ou não–inspirado para suplementar o Saltério indica que, mesmo que essas fossem novas canções inspiradas, elas não foram destinadas ao uso perpétuo na Igreja. Uma vez que os dons carismáticos foram projetados para auxiliar a Igreja antes da conclusão do cânon do Novo Testamento, essas canções proféticas podem ter sido uma medida temporária, pois as Igrejas do Novo Pacto, em sua infância, não teriam capacidade de interpretar e compreender adequadamente os Salmos sem o cânon do Novo Testamento. Há também a possibilidade distinta de que essas profecias fossem cantadas apenas por indivíduos e nunca destinadas ao uso corporativo. Não se deve descartar a possibilidade de que a palavra “salmo” em 1 Coríntios 14:14 – 26 refira-se exclusivamente aos Salmos do Antigo Testamento, uma interpretação comum. Seja qual for a visão adotada, essa passagem não fornece autorização divina para os hinários modernos não–inspirados.
[18] – Michael Bushell, 86.
[19] – O título do Salmos 76 combina precisamente dois dos três termos usados por Paulo em Efésios 5:19 e Colossenses 3:16 — e o contexto e a tradição litúrgica o ligam intimamente ao terceiro. Eis a forma do título, conforme a ACF: — “Ao músico–mor sobre Neguinote, Salmo de Asafe, Cântico” e conforme a ACR: — “Salmo e Cântico de Asafe para o cantor–mor, sobre Neguinote”. Em hebraico: — לַמְנַצֵּחַ בִּנְגִינוֹת מִזְמוֹר לְאָסָף שִׁיר – Lammenatzeach binneginot, mizmor leAsaf, shir. Analisemos os termos: — מִזְמוֹר (mizmor) — traduzido como “Salmo” (do grego ψαλμός–psalmos); שִׁיר (shir) — traduzido como “Cântico” (do grego ᾠδή–ōdē). O termo “Hino” (ὕμνος–hymnos) não aparece explicitamente neste título, mas é amplamente reconhecido que “hino” é uma das formas de cântico sacro presentes nos Salmos, especialmente nas porções laudatórias e celebrativas (como o Halel: — Salmos 113 — 118). Portanto, o título do Salmos 76 combina “salmo” (mizmor) e “cântico” (shir) — e como os títulos e o conteúdo dos Salmos abrangem o gênero “hino” (hymnos), podemos entender que essa tríade paulina encontra eco na estrutura do Saltério. Isso reforça o argumento de que Efésios 5:19 e Colossenses 3:16 não introduzem gêneros extra–canônicos de música, mas referem-se aos próprios termos usados nos títulos hebraicos dos Salmos, traduzidos na Septuaginta como: — “ψαλμοί (psalmoi) — Salmos, ὕμνοι (hymnoi) — Hinos, ᾠδαί (ōdai) — Cânticos”. Logo, há sim uma correspondência clara, especialmente em títulos como o do Salmos 76, com a tríade inspirada de cânticos prescrita por Paulo para o culto cristão — nota do tradutor.
[20] – See John Murray, “Song in Public Worship” in Worship in the Presence of God, (eds. Frank J. Smith and David C. Lachman, Greenville Seminary Press, 1992), 188. For the New Testament meaning of pneumatikos see B. B. Warfield, The Presbyterian Review, 1:561 (July 1880). For a more detailed exegesis of Eph. 5:19 which refutes Iain H. Murray’s view see: Michael Bushell, The Songs of Zion, 83 – 93.
[21] – Iain Murray afirma que o Princípio Regulador não se estende ao conteúdo do louvor. Essa afirmação foi refutada acima na seção número 3. Observe que a afirmação de Murray não é acompanhada por nenhuma evidência de apoio.
[22] – Steelite é um termo que, no contexto eclesiástico reformado, especialmente no presbiterianismo histórico escocês, refere-se a uma tradição específica de Igrejas que seguem estritamente os princípios e práticas do Covenanters — um ramo do presbiterianismo que busca permanecer fiel aos padrões e votos dos Pactos nacionais e solenes da Escócia do século XVII, particularmente: — [1] – A Confissão de Fé de Westminster (1646); [2] – o Juramento do Pacto Nacional (1638), e [3] – o Pacto Solene e Nacional (Solemn League and Covenant, 1643). Origem do nome “Steelite”: — O nome “Steelite” deriva de David Steele (1803 – 1887), um ministro presbiteriano escocês que emigrou para os Estados Unidos. Ele liderou um grupo que se separou da Reformed Presbyterian Church (Covenanter), acusando-a de comprometer-se com práticas modernas e de abandonar princípios históricos fundamentais, como: — [1] – O testemunho fiel contra as heresias públicas da sociedade civil e da Igreja visível; [2] – a exclusividade de Salmos inspirados no culto público, sem instrumentos; [3] – a não–participação em eleições civis, sob a alegação de que os governos modernos não reconhecem formalmente a autoridade de Cristo Rei. David Steele e seus seguidores mantiveram uma postura de separação estrita, o que deu origem à designação “Steelite” — um termo originalmente pejorativo, mas que passou a identificar esse ramo específico do presbiterianismo Covenant estrito. Características dos Steelites — [1] – Exclusivo uso do Saltério no culto (sem hinos humanos); [2] – rejeição de instrumentos musicais no culto público; [3] – forte ênfase na continuidade do testemunho reformado escocês; [4] – crítica ao ecumenismo e à apostasia das Igrejas presbiterianas modernas; [5] – rejeição da participação política em regimes que não reconhecem explicitamente o senhorio de Cristo sobre as nações. Situação atual — Os steelites existem ainda hoje em pequenos grupos, principalmente nos EUA, Canadá e algumas partes da Escócia. Eles são considerados por muitos como ultraconservadores ou separatistas, mas eles se veem como os últimos fiéis portadores do testemunho reformado histórico, especialmente da tradição dos mártires Covenanters — nota do tradutor.
[23] – O erastianismo é uma visão teológica e política que defende a supremacia do Estado sobre a Igreja em questões eclesiásticas, incluindo doutrina, disciplina e governo da Igreja. O termo deriva do nome de Thomas Erastus (1524 – 1583), um médico e teólogo suíço que argumentou que o Estado, e não a Igreja, deveria ter a autoridade final sobre assuntos religiosos, especialmente na aplicação de disciplina e na administração de assuntos eclesiásticos. Ele escreveu 100 teses (mais tarde reduzidas para 75) nas quais argumentava que os pecados cometidos pelos cristãos deveriam ser punidos pelo Estado e que a Igreja não deveria reter os sacramentos como forma de punição. Elas foram publicadas em 1589, após sua morte, com o título “Explicatio gravissimae quaestionis” — nota do tradutor.
[24] – Após 1696, a hinodia ganhou aceitação entre os dissidentes [isto é, vários independentes] e, eventualmente, entre os anglicanos. Os Salmos métricos cederam lugar, em grande parte, a paráfrases de Salmos usadas como hinos (particularmente aquelas de Isaac Watts) ou a cânticos não métricos. O primeiro material adicional para o culto permitido em muitas Igrejas escocesas foi a Escritura metrificada no estilo do livro de 1650 [o Saltério de Rous]: — As Paráfrases Escocesas (1781). Hinos modernos [não–inspirados] foram introduzidos pela Igreja do Alívio no final do século XVIII, mas não se tornaram amplamente difundidos no presbiterianismo escocês até aproximadamente entre 1850 e 1875 (J. S. Andrews, “Psalms, Psalter”, em, org. ed. Nigel M. de S. Cameron, Dictionary of Scottish Church History and Theology [Downer’s Grove, IL: Intervarsity Press, 1993], 683).
[25] – “O Grande Sínodo foi convocado pelos Estados Gerais da Holanda em 13 de novembro de 1618. Entre os 84 delegados holandeses estavam 18 comissários seculares. Também participaram 27 delegados de vários estados alemães, Suíça, Inglaterra e Escócia” (David N. Steele, Curtis C. Thomas, S. Lance Quinn, The Five Points of Calvinism [Phillipsburg, NJ: Presbyterian & Reformed, (1963) 2004], 4).
[26] – Louise F. Benson, The Hymnody of the Christian Church (Richmond: John Knox Press, 1956), 86, as quoted in Bushell, 178.
[27] – Michael Bushell, 179 – 180. A única possível exceção a isso foi a primeira edição do Saltério de Genebra (1542), que incluía o Credo dos Apóstolos, o qual, pelo menos nos primeiros dias de Genebra sob Calvino, era cantado apenas antes da celebração da Ceia do Senhor. Com relação a essa exceção, considere o seguinte: — Primeiro, ele era cantado como uma confissão. Segundo, naquela época, tanto católicos romanos quanto protestantes acreditavam que o Credo havia sido composto pelos Apóstolos. Calvino o considerava apostólico (ver Institutas II.16.18 e Tratados Teológicos, 92). Portanto, embora não fosse uma porção das Escrituras, não era visto como um hino não–inspirado. Terceiro, ele foi removido da versão final e autorizada do Saltério (1562). Para uma discussão detalhada, veja Bushell, 179 – 181.
[28] – Do Epistre ua lecteur em La forme des priers et chants ecclesiastiques (1543), em Calvino, Opera, Vol. VI, pp. 171ss., em Bushell, 181-182. “Os Salmos, na visão de Calvino, são tão superiores aos hinos humanos que colocar estes últimos ao lado dos primeiros só poderia ser um ato de impiedade” (Ibid., 182).
[29] – Iain Murray, 13.
[30] – To read the Westminster Directory of Worship on this issue see: Westminster Confession of Faith (Glasgow: Free Presbyterian Publications, [1646] 1958, 76, 94), 376, 393.
[31] – Alex F. Mitchell and John Struthers, eds., Minutes of the Sessions of the Westminster Assembly of Divines While Engaged in Preparing Their Directory for Church Government, Confession of Faith, and Catechisms (November 1644 to March 1649) from Transcripts of the Originals Procured by a Committee of the General Assembly of the Church of Scotland (Edmonton, AB, Canada: Still Waters Revival Books, 1991 [1874]).
[32] – Ibid., see 163, 221, 222, 298.
[33] – Para uma discussão mais aprofundada sobre o abandono da Salmodia Exclusiva pela PCUSA, consulte Bushell, 198 – 212. O abandono da Salmodia Exclusiva por outras denominações presbiterianas e Igrejas reformadas holandesas é abordado nas páginas 212 a 220. Para leituras adicionais sobre a PCUSA e os Salmos de Watts, veja Charles Hodge, The Constitutional History of the Presbyterian Church in the United States of America (Filadélfia: Presbyterian Board of Publications, 1851), parte 2, 244 – 306.
[34] – Iain Murray, 20.
[35] – Para uma excelente discussão sobre a suficiência do Saltério, consulte Michael Bushell, 10 – 52.
[36] – Não se pode confiar ao homem a responsabilidade de selecionar cânticos de louvor para os lábios do povo de Deus semana após semana, como evidencia o Trinity Hymnal, o hinário oficial da Igreja Presbiteriana Ortodoxa (OPC), uma denominação reformada considerada “conservadora”. Muitos o consideram o melhor hinário já produzido. Contudo, de suas 742 seleções, apenas uma minoria são Salmos. Dos 150 cânticos inspirados do Saltério, pelo menos 50 foram completamente omitidos, e a maioria dos demais aparece como paráfrases imprecisas ou hinos vagamente baseados nos Salmos. “Se considerarmos apenas as seleções classificadas como traduções métricas de um salmo ou parte de um salmo, apenas 41 salmos estão representados neste hinário […] [e a maioria] desses salmos é apresentada de forma incompleta. Os 150 Salmos do Saltério inspirado contêm 2.461 versos. Rejeitando hinos que alegam uma conexão superficial com algum salmo ou paráfrases repletas de interpolações humanas como representantes da palavra de Deus, resta muito pouco. As 41 porções de salmos, que são traduções métricas dos originais, contêm apenas 370 versos, o que significa que impressionantes 85% do Saltério foram eliminados” (Louis F. DeBoer, Hymns, Heretics and History: A Study in Hymnody [Sanderstown, RI: American Presbyterian Press, 2004], 150 – 151). Tragicamente, os editores do Trinity Hymnal, guiados pela sabedoria humana, não apenas negligenciaram o que Deus ordenou, mas também julgaram prudente incluir hinos populares compostos por hereges, como unitaristas, católicos romanos, arminianos e feministas. Assim, os líderes da OPC e de outras denominações reformadas, como a PCA, são diretamente responsáveis por expor famílias do pacto a ideias heréticas semana após semana. A história da Igreja demonstra que hinos não–inspirados consistentemente suplantaram os Salmos. Esses hinos têm sido profundamente prejudiciais ao povo de Deus, pois, sem perceber, as pessoas saturam suas mentes com doutrinas falsas e filosofias perigosas ao cantá-los repetidamente.
[37] – Iain H. Murray, 23.
[38] – Ibid.
[39] – Murray parece ter uma profunda afinidade por Isaac Watts e, claramente, foi influenciado pelos argumentos de Watts contra a Salmodia Exclusiva. Portanto, é crucial compreender que Isaac Watts foi um herege perigoso. Essa afirmação é sustentada por várias observações: — [1] – Watts é considerado o pai do dispensacionalismo moderno, pois acreditava que o Novo Testamento ensina uma ética nova, diferente e superior à do Antigo Testamento. Ele também faz declarações sobre os Salmos que questionam sua inspiração divina, como, por exemplo: — “mas encontramos uma linha seguinte que pertence tão particularmente a uma ação ou hora da vida de Davi, ou Asafe, que interrompe nosso cântico no meio; nossas consciências temem que possamos falar uma falsidade a Deus […]” (do prefácio de Watts, Hymns and Spiritual Songs). Watts considerava alguns Salmos tão contrários ao espírito cristão que omitiu Salmos inteiros e excluiu seções de outros. Como Louis F. DeBoer escreve: — “Nenhum crítico infiel de alta crítica e nenhum crítico textual racionalista ousou tomar liberdades tão extensas com a palavra de Deus quanto Watts presumiu fazer sob o pretexto de ‘cristianizar os Salmos’” (Hymns, Heretics and History, 63). [2] – Embora Watts se considerasse trinitariano, seus escritos sobre o tema são heréticos. Após examinar cuidadosamente várias citações de publicações de Watts sobre esse tópico, DeBoer conclui: — “Por fim, Watts era arianista ou unitarista? Estritamente falando, a resposta é não. Ele sempre se considerou trinitariano, e suas visões nunca coincidiram plenamente com as definições padrão de nenhum desses erros. Contudo, sua redefinição da Trindade, embora única, constituiu basicamente uma nova variante de arianismo/unitarismo. Ao negar que o Espírito e o Filho fossem plenamente e eternamente Deus no mesmo sentido que o Pai, ele era essencialmente unitarista. Ao propor que o Filho era algum tipo de ser criado divinizado, mais que mero homem, ele era essencialmente arianista. E, ao reduzir o Espírito a nada mais que uma força divina, ele concordava com ambos. Não importa como se considere, Watts era um herege em relação à Trindade” (Ibid., 101).
[40] – Charles H. Spurgeon, The Treasury of David: An Expository and Devotional Commentary on the Psalms (Grand Rapids: Baker, [1882-1887] 1983), 1:365.
[41] – John W. Keddie, Uma Análise do Panfleto: O Saltério — O Único Hinário? (Artigo na Internet: http://www.reformed.com/pub/psalter.htm), p. 3. Murray também argumenta que os hinos não–inspirados são superiores aos Salmos na questão da certeza da salvação (p. 25). Essa declaração é notável, dado as grandes afirmações nos Salmos que ensinam que Deus preserva o seu povo. Por exemplo, Salmos 37:28 diz: — “Porque o Senhor ama a justiça e não desampara os seus santos; eles são preservados para sempre, mas a descendência dos ímpios será exterminada”. Salmos 121:3, 7, 8 diz: — “Não deixará vacilar o teu pé; aquele que te guarda não tosquenejará […]. O Senhor te guardará de todo o mal; guardará a tua alma. O Senhor guardará a tua saída e a tua entrada, desde agora e para sempre” (cf. Salmos 12:7, 17:8 etc.).
[42] – James Hamilton, The Psalter and the Hymn Book, 16 – 17, as quoted in Iain H. Murray, 26.
[43] – O termo “sorbonista” deriva de Sorbona, a famosa universidade de Paris fundada no século XIII por Robert de Sorbon, conhecida por sua faculdade de Teologia. No contexto histórico, os sorbonistas eram teólogos escolásticos associados à Sorbona, frequentemente ligados à Igreja Católica Romana e à Teologia medieval. Eles eram conhecidos por debates teológicos rigorosos, mas, no período da Reforma (século XVI), foram criticados por reformadores como João Calvino por sua adesão à tradição católica e por argumentos considerados excessivamente especulativos, sofistas ou legalistas — nota do tradutor.
[44] – João Calvino, Comentário sobre Filipenses, 61. John Gill concorda: — “[…] pois no mero nome não pode haver algo que comande tal respeito peculiar; era um nome comum entre os judeus. Além disso, as palavras não devem ser traduzidas como ‘em’, mas ‘no nome de Jesus’; ou seja, em razão do poder, autoridade e dignidade de Jesus, exaltado à destra de Deus, toda criatura deve se sujeitar a Ele” (An Exposition of the New Testament [Streamwood, IL: Primitive Baptist Library, 1979 (1809)], 135, 136). Além disso, se Deus estava tão preocupado com o uso e a pronúncia de palavras específicas durante o culto público, por que Ele permitiu que a pronúncia correta do nome mais significativo de Deus nas Escrituras, “YHWH” (comumente pronunciado como Iavé ou Jeová), que aparece 5.321 vezes na Bíblia, fosse perdida para sempre pela humanidade?
[45] – Richard Bacon, Review of Crampton (Rowlett, TX: FPCR, 1996), see http://www.fpcr.org/blue_banner_articles/crampton.htm.
[46] – Iain H. Murray, 27.
[47] – O prelacismo é uma visão eclesiástica que defende a supremacia ou autoridade de prelados (bispos ou outros líderes eclesiásticos de alto escalão) no governo da Igreja. O termo deriva de “prelado” (do latim praelatus, “colocado acima”), que se refere a figuras como bispos, arcebispos ou outros clérigos com autoridade hierárquica. O prelacismo é frequentemente associado a sistemas eclesiásticos episcopais, como o da Igreja Católica Romana ou da Igreja Anglicana, onde os bispos têm autoridade centralizada sobre clérigos e congregações — nota do tradutor.
[48] – Tradutor: — notas e significações.
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