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João contém ensinamentos muito importantes sobre o Espírito Santo. Ele começa com o testemunho de João Batista, que viu o Espírito Santo “descer do céu como pomba e pousar sobre [Jesus]” (1:32). Todos os sinóticos registram o batismo de Jesus, mas somente o quarto Evangelho relata o que João Batista disse naquele momento. E ele relata um detalhe que não consta dos sinóticos: — “o Espírito Santo permaneceu sobre Jesus”. O ministério público de Jesus não foi só iniciado no poder do Espírito Santo, mas o Espírito também permaneceu sobre Ele por todo o ministério.

João nos diz em seguida que João Batista não conhecia a Jesus, e que este foi o sinal que lhe foi dado para que reconhecesse aquele que batizaria com o Espírito Santo (1:33). Não está claro se isso significa que João Batista nunca se encontrara com Jesus (é bem possível que não; ele crescera no deserto, Lucas 1:80) ou se ele não sabia que Jesus era o Messias. Essa segunda possibilidade é mais provável. Seja como for, somos informados de que a vinda do Espírito foi um sinal de que o ministério de Jesus estava começando. A declaração de que “Deus não dá o Espírito por medida” (3:34) provavelmente se refere ao fato de o Pai ter dado o Espírito ao Filho[1].

1 – Nascidos do Espírito.

Em resposta ao começo de conversão tão amável de Nicodemos, Jesus disse: — “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (3:3). E passou a falar de nascer “da água e do Espírito” (v. 5), do “que é nascido do Espírito” (v. 6) e de ser “nascido do Espírito” (v. 8). Evidentemente a obra do Espírito é importante na renovação de vidas.

É impossível ter certeza se devemos traduzir “de novo” ou “de cima”, o advérbio pode significar as duas coisas, mas em todas as outras passagens em que ele ocorre neste Evangelho, ele significa “de cima”. Contra isso temos o fato de que Nicodemos o entendeu como uma referência a um segundo nascimento físico, pois falou de voltar ao ventre materno. Mas isso é um erro de interpretação dele, devemos entender o sentido da palavra como “novo” não “de novo”.

Jesus está falando de algo completamente novo. Muitas expressões do quarto Evangelho pode ser entendida de mais de uma maneira. Seja como for, o nascimento do qual Jesus está falando é um renascimento, mas também é de cima. Não podemos descartar nenhum dos dois.

Há muitas idéias em relação a como devemos entender o nascimento “da água e do Espírito”, mas elas podem ser divididas, a grosso modo, em três grupos. Primeiro, há os que consideram a água como referência à purificação. É natural associar a água com lavar para ficar limpo. Alguns estudiosos tornam isso específico, mencionando o batismo de João Batista como “batismo de arrependimento” (Marcos 1:4). A idéia, então, seria que se deve aceitar o batismo de João Batista e se arrepender, e depois passar para o “batismo com o Espírito Santo” que Jesus traz. Ou se pode deixar a coisa mais geral: — primeiro precisa ocorrer a limpeza do mal, a rejeição de tudo o que é errado. Depois essa ação precisa ser completada por outra — a obra do Espírito, que capacita os crentes a andar no caminho de Deus.

Uma segunda maneira de entender “água” é vê-la relacionada ao nascimento físico. Se ela se refere ao rompimento da bolsa de água por ocasião do nascimento de uma criança, Jesus está aludindo ao nascimento físico comum e normal, dizendo que ele precisa ser seguido de um nascimento espiritual, pois “o que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito” (v. 6). O ser humano natural não pode entrar no reino; é necessária a obra do Espírito Santo antes que isso possa ocorrer.

Também podemos ligar água ao nascimento físico de uma maneira muito diferente do nosso uso de água. H. Odeberg demonstrou que, em fontes rabínicas e outras fontes antigas, palavras que indicavam algo molhado (“água”, “orvalho”, “chuva”, “gota” etc.) muitas vezes eram usadas como eufemismo relacionado com sêmen[2]. Isso resultaria num sentido próximo ao que acabamos de ver — nascido do modo comum, natural, e também nascido do Espírito.

Todavia, podemos entender “água” e “Espírito” juntos, dando o sentido de “água espiritual” ou “semente espiritual” (com o apoio do fato de que, em grego, o mesmo “de”, “ek”, rege os dois substantivos). Nesse caso, Jesus está dizendo que quem quiser entrar no reino precisa nascer espiritualmente; a expressão significaria a mesma coisa que nascer “do Espírito”. Essa posição é muito provável porque João usa com frequência pequenas variações para dizer a mesma coisa. Desse ponto de vista, ser “nascido da água e do Espírito” teria o mesmo sentido de ser “nascido do Espírito”.

A terceira maneira principal de entender a passagem é vê-la como uma referência ao batismo cristão. Alguns estudiosos entendem que a ligação de água, usada quando um recém-convertido era iniciado na Igreja, com “nascer” como início da vida espiritual, parece indicar de modo irrefutável o batismo. Para apoiar esse ponto de vista argumenta-se que, na época em que o Evangelho de João foi escrito, essa provavelmente seria a maneira mais natural de se entenderem as palavras, e o escritor devia saber de que modo seus leitores as entenderiam. É bastante óbvio que esse argumento contém um grande elemento subjetivo, pois não temos como saber até que ponto essa interpretação teria sido “natural” naquela época.

Há um argumento muito forte contra essa posição, que é a impossibilidade de Nicodemos compreender a Jesus, se o sentido fosse esse. No momento dessa conversa, a instituição da Igreja estava alguns anos no futuro, e Nicodemos não poderia ter entendido uma alusão a um sacramento ainda não existente. Só podemos manter esse ponto de vista se abandonarmos totalmente a historicidade do relato.

A melhor maneira de entender a passagem parece-me ser a segunda, e no sentido de que água aponta para sêmen. Nesse caso, Jesus estaria enfatizando que o modo de entrar na vida não é pelo esforço humano (independentemente de como queiramos entendê-lo), mas por obra do Espírito de Deus. Essa é uma verdade que João reforça em todo o seu Evangelho (cf. 1:13). Jesus não veio simplesmente para ordenar que as pessoas se esforçassem mais; antes, Ele veio para lhes trazer nova vida no Espírito. Isso é o que Jesus está dizendo a Nicodemos. A repetição denota ênfase: — “nascer de cima, da água e do Espírito, do Espírito”[3]. E Jesus em seguida diz a Nicodemos que será “levantado” para que todos os que crerem nEle tenham vida eterna (3:14, 15). Precisa acontecer a ação do Espírito para podermos ver o que a cruz significa e entrar pela fé na vida que Cristo veio nos trazer por sua morte[4].

Há um contraste entre a carne e o Espírito e uma ligação entre o Espírito e a vida numa discussão depois do sermão na sinagoga em Cafarnaum. Os ouvintes acharam “duro” o que Jesus dissera (6:60), e Ele respondeu dizendo-lhes que é o Espírito quem dá vida, enquanto a carne para nada aproveita; suas próprias palavras “são espírito e são vida” (6:63). O pensamento é complexo. Certamente há um contraste entre a interpretação perversa e carnal que os judeus estavam dando às palavras de Jesus e a compreensão que teria uma pessoa convencida pelo Espírito. Também há a idéia de que seguir a letra não dá vida, como os mestres judeus parecem ter ensinado.

“Grande é a Lei”, disseram os pais, “pois ela dá vida àquele que a pratica, neste mundo e no vindouro” (Mishná, Aboth 6:7). Jesus não está ensinando que se siga alguma Lei; Ele está enfatizando a liberdade que a vida no Espírito traz. Suas palavras são “espírito” e são “vida”, não porque formam uma Lei Nova e com mais autoridade, mas porque são criadoras: — “elas põem as pessoas em contato com o Espírito Santo que dá vida”.

Isso não se refere apenas a uma frase de efeito aqui e ali; todas as suas palavras presumem que apenas a obra do Espírito Santo gera vida espiritual. Há uma ligação inseparável entre vida e Espírito Santo.

2 – O templo do Espírito.

Outra declaração difícil deste Evangelho consta do relato que João faz do que Jesus disse quando ensinou no último dia da festa dos Tabernáculos. Tradicionalmente, a primeira parte da afirmação tem sido entendida como em ARA: — “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva” (7:37, 38). Há dificuldades para encontrar uma passagem do Antigo Testamento que diga isso, e por isso muitos, hoje em dia, posicionam o ponto depois de “mim” e não depois de “beba”, como na BJ: — “Se alguém tem sede, venha a mim e beba, aquele que crê em mim! Conforme a palavra da Escritura […]”. As palavras sobre a água viva que fluirá do seu coração podem, então, ser entendidas como uma referência a Cristo e não ao cristão. Na verdade, não se ganha muito com isso, porque é mais difícil encontrar uma passagem do Antigo Testamento que diga que Cristo concede a água viva do que uma que diga isso em relação ao cristão. Pelo menos para esta há algumas que se referem à bênção de Deus em termos de água, com a implicação de que ela seja dada adiante (cf. Isaías 58:11; Ezequiel 47:1 e seguintes). Cristo deve ser visto como a fonte primária, mas também é verdade que o crente passa a bênção para outros, e parece que é isso que Jesus está dizendo[5].

O grande problema, porém, vem com o que João diz em seguida. João diz que Jesus estava falando do Espírito, que haveriam de receber aqueles que cressem nEle, e depois acrescenta palavras entendidas de várias maneiras: — “O Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado” (maioria das traduções), ou “Não havia ainda Espírito” (BJ; Moffatt). Em termos literais, João diz isso mesmo: — “Ainda não Espírito”. A dificuldade com a BJ é que toda a Bíblia mostra que havia o Espírito Santo, e sempre houve. A dificuldade com “o Espírito ainda não fora dado” é dupla: — [1] – Não há palavra que corresponda a “dado” no texto grego, e [2] – na verdade, antes houve pessoas cheias do Espírito, como Isabel e Zacarias (Lucas 1:41, 67).

Devemos levar a sério o sentido literal das palavras. João está dizendo “ainda não Espírito” no sentido de que vemos o Espírito atuando a partir do dia de Pentecostes. Haviam ocorrido manifestações do Espírito, mas Ele ainda não estava plenamente em ação, e só estaria depois que Jesus fosse “glorificado”. Na administração divina, a obra do Filho precedia a do Espírito; era necessário que o sacrifício expiatório fosse oferecido antes que o derramamento do Pentecostes pudesse ocorrer. Não nos é dito por que isso é assim. Mas claramente foi o que aconteceu. Há nos evangelhos alguma coisa do que o Espírito estava fazendo, mas há uma série de atividades do Espírito em Atos que continuam nas epístolas.

3 – O Espírito da verdade.

Durante a última ceia, na noite antes da crucificação, Jesus transmitiu um ensinamento importante sobre o Espírito Santo. Há cinco passagens principais: — 14:16, 17; 14:26; 15:26; 16:7 – 11; 16:12 – 15. Jesus o chama de “Espírito da verdade” (14:17; 15:26; 16:13), expressão que aponta para um dos grandes conceitos deste Evangelho. João fala muito da verdade e deixa claro que, em seu sentido mais profundo, a verdade tem uma ligação estreita com Jesus e com o que Ele está fazendo (14:6). O Espírito, portanto, está ligado à verdade de Deus que vemos na obra de Jesus. Ele é “o Espírito que transmite a verdade”[6], o Espírito que ensina às pessoas a verdade do Evangelho, a verdade que está em Jesus.

Os manuscritos de Qumran também usam essa terminologia ao se referir aos “espíritos da verdade e do erro” (1QS iii 18, 19). Esse, porém, é um exemplo impressionante de como os mesmos termos contêm uma grande diferença no ensino. Os homens de Qumran consideravam o “espírito da verdade” um dos espíritos que lutavam pelo domínio dentro do ser humano. Parece que o “espírito do erro” está no mesmo nível do “espírito da verdade”; não existe a grandiosidade que João vincula ao Espírito Santo. Aqueles que adoram o Pai devem fazê-lo “em verdade” (4:23, 24), e Jesus é “a verdade” (14:6); “o Espírito da verdade”, portanto, liga o Espírito ao Pai e ao Filho.

Como Espírito da verdade, o Espírito conduzirá os discípulos em (ou a)[7] toda a verdade (16:13). Isso não é verdade como conceito filosófico, mas a verdade revelada em Jesus; o Espírito os levará a uma compreensão ainda mais plena do que essa verdade significa. E à medida que o Espírito nos conduz e não por meio da sabedoria deste mundo que veremos o que vem a ser a verdade de Deus. Mas o Espírito não está fazendo alguma revelação própria que substitua aquilo que Jesus disse. Jesus diz expressamente: — “[Ele] não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido”; não haverá uma revelação nova, dada pelo Espírito. O Espírito continuará o ensino que Jesus deu.

Provavelmente devemos entender as palavras que seguem da mesma maneira: — “[Ele] vos anunciará as coisas que hão de vir”. Dificilmente podemos entender isso com o sentido de que o futuro será esclarecido aos cristãos, porque: — [1] – as palavras não dizem necessariamente isso, e [2] – em todos esses séculos os cristãos têm estado tão perplexos como todos os outros quanto ao que está por vir. Antes, as palavras significam que o Espírito levará os crentes a entender o que o caminho cristão significa. Na época em que Jesus falou não havia teólogos cristãos que tivessem desenvolvido uma compreensão do que é o cristianismo. No transcurso dos séculos, porém, o Espírito esteve agindo na Igreja e levou o povo de Deus a uma maior compreensão do que a sua fé significa.

4 – O mestre da Igreja.

Há bastante ênfase na função de ensino do Espírito Santo nesses discursos. Jesus disse que Ele ensinaria aos discípulos “todas as coisas” (“panta”, 14:26). Isso é ampliado com o acréscimo destas palavras: — “E vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”. Portanto, o que o Espírito ensina é o que foi revelado em Cristo. O que Jesus ensinou não será substituído mais tarde por alguma nova “dispensação do Espírito”. O Espírito ensina o que Jesus ensinou. A revelação cristã definitiva foi feita em Cristo, e mesmo que algumas implicações dessa revelação ainda estejam por se desvendar, é essa revelação e não alguma outra que é o objeto correto do ensino cristão.

O Espírito “dará testemunho” de Cristo (15:26). A idéia de dar testemunho é importante neste Evangelho e aponta para algo que é certo, não uma possibilidade que possa ser substituída por algo melhor. Quando, portanto, o Espírito “dá testemunho”, Ele está mostrando quem Jesus era e o que Ele fez. É significativo que logo em seguida Jesus diz: — “Vós também testemunhareis”. Não se pede que os apóstolos melhorem o que seu mestre lhes ensinou e fez por eles; eles simplesmente contarão tudo isso a outros. Mas só o farão à medida que o Espírito os guiar.

Jesus diz: — “[O Espírito] me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (16:14). O Espírito não veio para desviar a atenção de Jesus, assim como não veio para modificar o seu ensino. Por isso, tudo o que Ele fizer glorificará a Cristo, e novamente temos a idéia de que é o ensino de Jesus e não alguma novidade que o Espírito transmitirá aos apóstolos. Desta vez temos um adendo: — “Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso é que vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (16:15). Jesus está falando das coisas que pertencem a ninguém menos que Deus, e essas coisas não podem ser tratadas com leviandade.

5 – A presença divina.

O Espírito estaria com os apóstolos para sempre (14:16). Jesus explica que, longe de ter o Espírito para sempre, o mundo nem sequer pode receber o Espírito da verdade (14:17); ele não o vê, não o conhece. Por toda a história da Igreja, quem estava fora da Igreja considerou o cristianismo tolice. Ele não faz sentido para aqueles que são insensíveis aos estímulos do Espírito da verdade. Para aqueles que o recebem, a história é outra. Nada em todo este mundo pode se comparar ao conhecimento que podemos ter de Deus e à habitação do seu Espírito em nós, com a paz, o poder e o dinamismo que essas realidades proporcionam.

“Convém-vos que eu vá”, disse o mestre, “porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (16:7). Para os que estavam com Ele na última ceia, essa afirmação deve ter sido angustiante. Eles tinham deixado tudo — casa, família, amigos e trabalho — para estar com Ele.

Agora Ele diz que é melhor para eles que Ele os deixe. Ele lhes está dizendo que sua presença física, que lhes foi útil durante o seu ministério, não era a melhor coisa para eles. Obviamente ela estava sujeita a limitações de tempo e espaço, e as necessidades dos discípulos nem sempre surgiam quando eles estavam fisicamente junto dEle. A vinda do Espírito, no entanto, era diferente. Seria uma presença que jamais seria tirada. Era melhor para eles, como também é para nós, que o Espírito divino esteja permanentemente presente.

Essa presença é algo que pertence aos que são de Deus e somente a eles. Jesus disse claramente sobre o Espírito que o mundo não o recebe “nem pode”; ele não o vê nem o conhece (14:17). Há pessoas espiritualmente cegas e ignorantes. Sem visão nem conhecimento, é claro que elas não podem se pronunciar sobre as atividades do Espírito. Para elas, esse território é completamente desconhecido. Todavia, Jesus disse aos discípulos que o Espírito ficaria com eles e estaria neles (14:17). Aquilo que o mundo é incapaz até de perceber é uma das boas dádivas de Deus para os discípulos. O triunfo sobre o mal não é uma conquista humana; é resultado da obra do Espírito Santo em seu povo e em favor dele.

6 – Convencendo o mundo.

No entanto, apesar de o mundo não reconhecer o Espírito de Deus, e apesar de a maior parte da atuação do Espírito se dar nos que são de Deus, há uma obra que se realiza nos incrédulos. É o Espírito que “convence” o mundo do pecado, da justiça e do juízo (16:8). O verbo é usado com vários sentidos, mas um deles claramente é “provar que alguém está errado” (por exemplo, quando Tiago fala de ser “arguido pela Lei”, Tiago 2:9)[8]. Buchsel diz que no Novo Testamento o verbo significa “mostrar a alguém seu pecado e chamá-lo ao arrependimento”.

É natural que todos nós coloquemos em destaque o que realizamos. Por natureza, não nos vemos como pecadores. Sempre há circunstâncias atenuantes, no fundo não somos maus; fomos tentados além da conta, apanhados num momento de fraqueza, ou derrotados por tentações inesperadas. É preciso que o Espírito Santo aja em nosso coração para que nos vejamos como realmente somos — pecadores, pessoas que infringiram a Lei de Deus e são culpadas diante dEle, que têm de dizer: — “Não fizemos o que deveríamos ter feito e fizemos o que não deveríamos ter feito”.

A afirmação de que o Espírito convencerá o mundo do pecado Jesus acrescenta: — “Porque não crêem em mim” (16:9). Isso poderia dar a entender que o pecado deles consiste em não crerem em Jesus, e de fato, não importa como entendamos as palavras, em última instância a incredulidade é fatal. As palavras, no entanto, podem ser entendidas no sentido de que a incredulidade é um exemplo notório de pecado, ou talvez que a incredulidade mostra que o mundo tem idéias totalmente erradas sobre a natureza do pecado. Nenhuma dessas possibilidades é impossível. Já escrevi que o pecado fundamental é aquele que põe a pessoa no centro das coisas e que, em consequência disso, se recusa a crer. Esse é o pecado característico do mundo. Ele recebeu sua expressão clássica quando Deus enviou seu Filho ao mundo e este se recusou a crer nEle. O mundo é culpado, mas precisa do Espírito para entender isso[9].

O Espírito também convencerá o mundo “da justiça”, porque Jesus iria para o Pai e os discípulos não o veriam mais (v. 10). O convencimento que resulta da partida de Jesus está claramente ligado ao que aconteceu no Calvário. A terminologia da justificação, com sua ênfase na justiça, é típica de Paulo, mas essa passagem mostra que Jesus a usou durante o seu ministério terreno. Ao morrer, Jesus foi totalmente obediente à vontade de Deus, e por isso agiu em justiça. E é essa morte que permite a pecadores estar diante de Deus como justos. A verdade sobre a justiça, porém, não é uma descoberta humana; se chegamos a conhecê-la, é porque o Espírito Santo realizou sua obra de convencimento[10].

A terceira parte da obra de convencimento do Espírito diz respeito ao “juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado” (v. 11). “O príncipe deste mundo”, é claro, é Satanás (cf. 12:31), e a cruz de Cristo significou sua derrota. Muitos textos recentes contêm uma forte ênfase na derrota do Maligno, e essa é uma parte importante da obra expiatória de Cristo. Mas não devemos esquecer que a expiação não é simplesmente um ato de poder. É um ato de julgamento. Cristo agiu de acordo com o que é certo, e por isso Satanás não foi destronado simplesmente porque não teve poder suficiente para resistir a Deus. Ele foi derrubado porque essa era a coisa certa a fazer.

Na cruz se fez justiça, mas precisamos da ação do Espírito Santo para poder ver isso. Do ponto de vista do mundo, a cruz foi um erro jurídico, a execução indevida de um homem inocente. Mas isso é só uma parte do que aconteceu ali. O Espírito mostra ao povo de Deus que foi um julgamento justo que derrubou o Maligno.

7 – O Parácleto[11].

No discurso da última ceia, Jesus se refere ao Espírito como o “parakletos”, palavra grega muito difícil de traduzir, e por isso mesmo muitas vezes transliterada simplesmente como “Parácleto” (cf. BJ). Não se trata de uma tradução de um termo hebraico, e os judeus, na verdade, também o transliteravam. Por isso temos de procurar seu sentido em fontes gregas.

Literalmente, o sentido é “chamado para o lado de”, com um pedido de ajuda subentendido. O léxico de grego de Liddell e Scott define a palavra assim: — “Chamado para ajudar num tribunal; como substantivo, auxiliar de justiça, advogado”. A palavra, por essa razão, poderia indicar alguém como o advogado de defesa nos tribunais de hoje, e esse é o raciocínio por trás de traduções como “Conselheiro” (NVl). Johannes Behm nega que se trata do termo técnico relativo à pessoa que conduz a defesa num julgamento, mas concorda que ele deve ser entendido “pelo prisma da ajuda legal, como defesa de alguém”[12]. O que ele quer dizer é que a palavra podia se referir a qualquer pessoa que ajudasse o réu no tribunal, não apenas para o profissional que conduz a defesa. Mas pelo menos podemos dizer que a palavra é aplicada a alguém que ajuda e que ela vem de um contexto legal.

Em suas cinco ocorrências no Novo Testamento (todas nos escritos de João — quatro vezes no Evangelho e uma em 1 João), não há muita ênfase em seu sentido legal (diferente de 1 João 2:2). Assim, enquanto o assessor legal tinha a tarefa de instruir o tribunal, o Evangelho de João mostra o “Parácleto” ensinando os apóstolos (14:26), estando sempre com eles (14:16) e dando testemunho de Jesus (15:26). Ele é quem “convence” o mundo, ou seja, Ele tem a função de promotor, não de defensor.

O que transparece em todas as passagens em que o “Parácleto” é mencionado é que Ele está em atividade, ajudando as pessoas (Moffatt e NTLH traduzem a palavra por “Ajudador”). Podemos ver a origem legal do termo no fato de que os pecadores estarão numa difícil situação quando acusados no tribunal celestial, e seria correto dizer que toda a ajuda que o “Parácleto” dá (ensinando os apóstolos e recordando-lhes o que Jesus disse, além de dar testemunho de Jesus e convencer o mundo do pecado) tem o propósito de ajudar a preparar as pessoas para o dia em que se encontrarão com Deus. O Espírito está preocupado com as questões do fim, além das coisas que importam aqui e agora.

Há um ambiente jurídico, portanto, para o que o “Parácleto” faz, mas nenhum termo jurídico abrange completamente o seu trabalho. Podemos usar termos como “amigo” ou “consolador”, mas eles negligenciam a origem legal. Só nos resta usar a transliteração “Parácleto”, ou uma tradução que não faz justiça a algum aspecto da obra do Espírito. O que importa, no entanto, é que entendamos o que o termo significa, não que encontremos um equivalente em nossa língua que chame a atenção para todos os aspectos do seu trabalho.

8 – O Espírito na Igreja.

Na noite posterior à ressurreição, Jesus encontrou seus discípulos reunidos com portas fechadas. Entre outras coisas, Jesus soprou sobre eles e disse: — “Recebei [o] Espírito Santo” (20:22). Suas próximas palavras podem ser entendidas como: — “Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos”, ou: — “Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos” (BJ)[13]. Não há muita diferença no sentido, e o problema não é esse. O problema está em se Jesus está concedendo à Igreja o poder de perdoar os pecados das pessoas por meio dos seus ministros autorizados. A Igreja Católica Romana, por exemplo, vê aqui o poder da absolvição e entende que o versículo se aplica aos sacerdotes individualmente.

Há dificuldades com essa posição. Uma é o fato de que o verbo “soprou” não tem objeto. Temos de inserir algo em português, porque não podemos dizer: — “Ele soprou e disse […]”. Mas devemos ter certeza que não há uma série de sopros sobre indivíduos enfileirados; João está falando de um único sopro sobre o grupo. É uma dádiva aos discípulos como um todo, não a indivíduos entre eles.

Depois temos o problema da composição do grupo. Aqueles que vêem aqui o poder da absolvição, geralmente não acham que ele seja concedido a todo cristão (apesar de R. H. Strachan adotar esse ponto de vista[14]), mas o restringem ao sacerdócio. Eles acreditam que somente os apóstolos estavam presentes nessa ocasião. Mas há poucas garantias disso. João certamente está descrevendo a mesma reunião de Lucas 24:33 e seguintes, que incluiu Cleopas e uma pessoa não identificada que estava com ele. É plenamente possível que outros discípulos estivessem presentes; não temos nenhuma indicação para restringir a reunião aos apóstolos.

Além disso, o objeto está no plural nas duas frases. Jesus não está falando de indivíduos, mas de grupos de pessoas, de classes. Quando a Igreja é guiada pelo Espírito, ela pode declarar com autoridade quais pecados são perdoados e quais não. A declaração não deve ser feita pelo sacerdote ao penitente individual, mas pela Igreja ao mundo. A questão não é diferente do “ligar” e “desligar” dos rabinos, que apontava para atos proibidos e permitidos.

Devemos ter em mente também que o poder de reter pecados está em paralelo com o de perdoar. Levando em consideração a falibilidade humana, é impossível pensar que Deus daria a uma pessoa (ou grupo de pessoas) em especial o direito absoluto de reter pecados no sentido de privar do perdão. Talvez possamos pensar que, quando um sacerdote cometia um erro e perdoava alguém que não devia ter perdoado, Deus assim mesmo endossaria a ação. O que não podemos pensar é que, quando um sacerdote comete um erro e retém um pecado que deveria ter perdoado, Deus não concederá o perdão. Nessa passagem, porém, as duas coisas andam juntas.

Em todo caso, os verbos (segundo o melhor texto) estão ambos no tempo perfeito. Jesus está dizendo que, quando a Igreja, cheia do Espírito, anuncia que este ou aquele pecado está perdoado, se verá que o perdão já foi concedido. Ele não está dando à Igreja o poder de fazê-lo ali naquele momento. O Espírito capacita a Igreja a declarar com autoridade o que Deus fez na questão do perdão ou de reter pecados[15].

João, portanto, tem uma enorme riqueza de ensinamentos sobre o Espírito Santo, considerando o pouco espaço que dedica ao tema. A maneira como o dom do Espírito é relacionado à glorificação de Cristo é de grande importância e nos dá a melhor explicação do motivo de tão pouca informação sobre o Espírito Santo antes dos fatos do dia de Pentecostes e de tanta coisa sobre Ele depois. Em cada época também é vital deixar clara a importância central e a absoluta necessidade do renascimento pelo Espírito. É uma tentação constante, para nós, pensar que entramos na vida eterna por esforço próprio, e temos sempre de ser lembrados de que, para nascer espiritualmente, não podemos fazer mais do que fizemos para nascer fisicamente. No Evangelho de João, o papel do Espírito recebe um destaque que os cristãos jamais devem desprezar[16].

Paz e graça.
Pr. Me. Plínio Sousa.

[1] – Teologia do Novo Testamento, Leon Morris, Tradução Hans Udo Fuchs, Título original: New Testament Theology, Edições Vida Nova, p. 307 – 319.

[1] – A expressão também pode ser entendida no sentido de que o filho dá o Espírito aos crentes sem medida. Mas os crentes não têm o Espírito como o Filho o tem e, por outro lado, como Agostinho e Calvino já mostraram, a graça é concedida a cada um de nós “segundo a proporção do dom de Cristo” (Efésios 4:7). Em termos gramaticais, é possível tomar “o Espírito” como sujeito e não objeto do verbo, e então o sentido seria que o Espírito concede seus dons sem limite. Mas não são muitos os que aceitam essa interpretação.

[2] – Thefourth Gospel, Uppsala, 1929, p. 48 – 71. Talvez também devamos observar que as religiões de mistério usavam a idéia de renascimento. Só que elas pensam numa renovação mágica, não na transformação de toda a vida que caracteriza o nascimento do qual Jesus está falando.

[3] – É possível que devamos ver uma referência ao Espírito na primeira parte do versículo 8, em que a maioria dos tradutores e comentaristas entende que o sentido é “o vento sopra onde quer […]” — “πνεῦμα”, porém, é a palavra normalmente traduzida por “espírito” no Novo Testamento, e podemos traduzir a frase assim: — “O Espírito sopra onde quer […]”. A mim parece que “vento” provavelmente é o sentido aqui, mas não devemos descartar a possibilidade de João ter os dois sentidos em mente.

[4] – E. Schweizer observa que os discípulos farão “obras maiores” do que Jesus (14:12) e descarta a idéia de que isso aponta para milagres como curas (os pagãos tinham histórias como essa). “Para João, o milagre supremo e quando alguém é levado à fé. Quando isso acontece, um novo mundo raia, um novo tipo de vida começa. […] É o Espírito Criador que nos chama à vida” (The Holy Spirit, Londres, 1981, p. 71).

[5] – A linguística parece ser contra a variante. Em termos gramaticais, “seu” deve se referir a “quem” e não a “mim”. Além disso, é o sedento que precisa beber, e não o crente. Neste sentido metafórico, crer é beber.

[6] – C. K. Barrett, The Gospel according to st.John, Philadelphia, 1978, p. 463.

[7] – Alguns manuscritos têm “ἐν” e outros “εἰς”. Mas essas duas preposições nem sempre são usadas de modo completamente distinto no Novo Testamento, e talvez não devamos dar muita importância a essa diferença.

[8] – O verbo é “ἐλέγχω (elenchō)”. MM dá exemplos do seu uso nos papiros, incluindo um caso em que o particípio é usado no sentido de “promotor”. Eles vêem o sentido no quarto Evangelho, principalmente nessa passagem, como “revelar o verdadeiro caráter de alguém e sua conduta”.

[9] – The Gospel accordíng to John, Grand Rapids, 1971, p. 698.

[10] – Cf. William Barclay: — “Pensando bem, é impressionante o fato de as pessoas colocarem num criminoso judeu crucificado sua confiança em relação à eternidade. O que convence as pessoas de que este judeu crucificado é o Filho de Deus? Essa é a obra do Espírito Santo. É o Espírito Santo quem convence as pessoas da justiça total de Cristo” (The Gospel of John, Edinburgh, 1956, 2:225).

[11] – Outras grafias recebem apoio dos melhores dicionários: — Paráclito, Paracleto, Paraclito (N. do E.).

[12] – TDNT, 5:801. Ele diz: — “Não há nenhum exemplo de “παράκλητος”, à semelhança de seu equivalente “advocatus” em latim, usado em referência ao conselheiro ou advogado de defesa de um réu, com o mesmo sentido de “σὑνδικος” ou “συνήγος”, que, diz ele, “ainda é a palavra usada em grego moderno nas referências ao advogado no tribunal” (Ibid., 801 n. 8).

[13] – O problema é o sentido de “ἄν”. Pode se tratar da conjunção “se” ou do pronome “aqueles”. A maioria dos tradutores mais recentes faz a primeira opção, ao contrário da BJ.

[14] – R. H. Strachan, Tbefourtb Gospel London, 1955, p. 329.

[15] – Alguns estudiosos vêem outra referência ao Espírito nas palavras geralmente consideradas a maneira de João descrever a morte de Jesus: — “Inclinando a cabeça, rendeu o espírito” (19:30). A maioria dos estudiosos entende que o artigo “o” equivale a “seu”, e que Jesus entregou seu espírito na morte. Hoskyns, porém, acredita ser possível entender as palavras como “ele entregou o Espírito”, palavras “dirigidas aos fiéis que estavam ao redor da cruz”. Ele conclui sua análise dizendo que sua interpretação “não é só possível, mas necessária” (E. C Hoskyns em The fourth Gospel, ed. F. N. Davey, London, 1950, p. 532). Seu argumento, no entanto, não é convincente, e devemos ver aqui uma referência ao modo como Jesus morreu, e não à concessão do Espírito aos cristãos.

[16] – Devemos notar que a divisão mais séria na Igreja ocorreu, pelo menos oficialmente, por causa da interpretação de “procede” em 15:26. A Igreja Oriental afirma que isso significa que o Espírito tem sua origem no Pai, que é visto como a única “fonte” da divindade. Os orientais recitam o Credo de Nicéia usando a expressão “procede do Pai”, ao passo que no Ocidente se diz “procede do Pai e do Filho”. Não pode haver dúvida de que as palavras foram inseridas no Credo no Ocidente sem a autoridade adequada. Mas isso não significa que o Oriente esteja certo. O ponto central em nosso estudo é que “πορεὑεται” no versículo em questão não está descrevendo as relações eternas entre as pessoas da Trindade, mas se referindo ao envio do Espírito ao mundo depois da partida do Filho. A passagem não é pertinente para essa controvérsia.

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