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Livro I — Capítulos 15 — 17. 

“Por nenhuma coisa do mundo, nem por amor de pessoa alguma, se deve praticar qualquer mal; mas, em prol de algum necessitado, pode-se, às vezes, omitir uma boa obra, ou trocá-la por outra melhor”. Desta sorte, a boa obra não se perde, mas se converte em outra melhor. Sem a caridade [amor] nada vale a obra exterior; tudo, porém, que da caridade procede, por insignificante e desprezível que seja, produz abundantes frutos, porque Deus não atende tanto à obra, como à intenção com que a fazemos.

“Muito faz aquele que muito ama”. Muito faz quem bem faz o que faz. Bem faz quem serve mais ao bem comum que à sua própria vontade. Muitas vezes parece caridade o que é mero amor próprio, porque raras vezes nos deixa a inclinação natural, a própria vontade, a esperança da recompensa, o nosso interesse. 

“Aquele que tem verdadeira e perfeita caridade em nada se busca a si mesmo, mas deseja que tudo se faça para a glória de Deus”.

De ninguém tem inveja, porque não deseja proveito algum pessoal, nem busca sua felicidade em si, mas procura sobre todas as coisas ter alegria e felicidade em Deus. “Não atribui bem algum à criatura, mas refere tudo a Deus, como à fonte de que tudo procede, e em que, como em fim último, acham todos os santos o deleitoso repousar”.

Oh! Quem tivera só uma centelha (faísca, fagulha) de verdadeira caridade logo compreenderia a vaidade de todas as coisas terrenas!

1 – Do sofrer os defeitos dos outros.

Aquilo que o homem não pode emendar (consertar, corrigir) em si mesmo ou nos demais, deve-o tolerar com paciência, até que Deus disponha de outro modo. Considera que talvez seja melhor assim, para provar tua paciência, sem a qual não têm grande valor nossos méritos. Todavia, convém, nesses embaraços, pedir a Deus que te auxilie, para que os possas levar com seriedade.

Se alguém, com uma ou duas advertências, não se emendar, não contendas com ele; mas encomenda tudo a Deus para que seja feita a sua vontade, e seja Ele honrado em todos os seus servos, pois sabe tirar bem do mal. Procura sofrer com paciência os defeitos e quaisquer imperfeições dos outros, pois tens também muitas que os outros têm de aturar.

“Se não te podes modificar como desejas, como pretendes ajeitar os outros à medida de teus desejos?”.

Muito desejamos que os outros sejam perfeitos, e nem por isso emendamos as nossas faltas.

Queremos que os outros sejam corrigidos com rigor, e nós não queremos ser repreendidos. Estranhamos a larga liberdade dos outros, e não queremos sofrer recusa alguma. Queremos que os outros sejam apertados por estatutos e não toleramos nenhum constrangimento que nos coíba. “Donde claramente se vê quão raras vezes tratamos o próximo como a nós mesmos”.

Se todos fossem perfeitos, que teríamos então de sofrer nós mesmos por amor de Deus?

Ora, Deus assim o dispôs para que aprendamos a carregar uns o fardo dos outros; porque ninguém há sem defeito; ninguém sem carga; ninguém com força e juízo bastante para si; mas cumpre que uns aos outros nos suportemos, consolemos, auxiliemos, instruamos e aconselhemos. Quanta virtude cada um possui, melhor se manifesta na ocasião da adversidade; pois as ocasiões não fazem o homem fraco, mas revelam o que ele é.

2 – Da vida monástica.

Aprende a abnegar-te em muitas coisas, se queres ter paz e concórdia com os outros. Não é pouco habitar em mosteiros ou congregações religiosas, viver ali sem queixas e perseverar fielmente até à morte.

“Bem-aventurado é aquele que aí vive bem e termina a vida com um fim abençoado!”.

Se queres permanecer firme e fazer progressos, considera-te como desterrado e peregrino sobre a terra. “Convém fazer-te louco por amor de Cristo, se queres seguir a vida religiosa”.

De pouca monta — relevância — são o hábito e a tonsura[1]: — “são a mudança dos costumes e a perfeita mortificação das paixões que fazem o verdadeiro religioso”.

Quem outra coisa procura senão a Deus só e a salvação de sua alma, só achará tribulações e angústias. Não pode ficar por muito tempo em paz quem não procura ser o menor e o mais submisso de todos.

Para servir vieste, não para mandar; lembra-te que foste chamado para trabalhar e sofrer, e não para folgar e conversar. Aqui, pois, se provam os homens, à semelhança do ouro na fornalha. Aqui, ninguém perseverará, se não quiser humilhar-se, de todo o coração, por amor de Deus.

Paz e graça.
Pr. Me. Plínio Sousa.

[1] – Tomás de Kempis, 1380 – 1471, Imitação de Cristo, p. 12 – 14.

[1] – Corte redondo dos cabelos no topo da cabeça dos eclesiásticos.

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