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Efésios 5:22 – 33.

Ninguém em pleno século XX que leia esta passagem pode esgotar toda sua grandeza. Através dos séculos se chegou enfim a aceitar a visão cristã do casamento. Mesmo quando a prática não alcance o ideal, este sempre está nas mentes e corações dos homens que vivem numa situação cristã. O casamento é considerado como a união perfeita de corpo, mente e espírito e para sempre entre o homem e a mulher. Mas quando Paulo escrevia a situação era muito diferente. Nesta passagem Paulo apresenta perante homens e mulheres um ideal que brilha com pureza radiante num mundo imoral.

I. W. Verrall, o grande erudito clássico, dizia certa vez que uma das principais enfermidades pelas que pereceu a civilização antiga foi a pouca avaliação da mulher. Vejamos brevemente as circunstâncias nas quais Paulo escreve esta passagem e expressa seu pensamento.

Os judeus tinham um baixo conceito das mulheres. Na forma judia da oração matutina havia uma frase em que o judeu cada manhã agradecia a Deus por não tê-lo feito “um pagão, um escravo ou uma mulher”.

O que viciava toda a legislação judia em relação às mulheres era que, segundo a Lei judia, uma mulher não era uma pessoa, mas sim uma coisa. Carecia totalmente de direitos legais, era possessão absoluta do marido que podia dispor dela à vontade. O judeu possuía em teoria o mais alto ideal do casamento. Os rabinos diziam em seus refrões: — “Todo judeu deve entregar sua vida antes que cometer idolatria, homicídio ou adultério; o próprio altar derrama lágrimas quando o homem se divorcia da mulher de sua juventude”.

Mas o fato era que quando nasceu a Igreja o divórcio tinha chegado a ser tragicamente fácil. A Lei do divórcio está sintetizada em Deuteronômio 24:1: — “Se um homem tomar uma mulher e se casar com ela, e se ela não for agradável aos seus olhos, por ter ele achado coisa indecente nela, e se ele lhe lavrar um termo de divórcio, e lhe der na mão, e a despedir de casa”. É obvio tudo depende da interpretação da frase “coisa indecente”.

Os rabinos mais estritos, encabeçados pelo famoso Shammai, mantinham que a frase significava só adultério, por isso ainda que a mulher for tão malévola como Jezabel, o marido não podia divorciar-se; o motivo só podia ser o adultério. Os rabinos mais liberais, encabeçados pelo igualmente famoso Hillel, interpretavam a frase da maneira mais lassa possível. Um homem podia divorciar-se de sua mulher se esta tinha jogado muito sal em sua comida, ou se passeava em público com a cabeça descoberta, ou se falava com homens na rua, ou se em suas palavras tinha faltado o respeito aos pais do marido em presença deste ou se era bagunceira, impertinente e briguenta.

Certo Rabino Aquiba interpretava a frase “se não lhe agradar” no sentido de que o marido podia divorciar-se dela se encontrava outra mulher mais atrativa. É fácil supor que escola de pensamento preponderaria.

Dois fatores na Lei judia pioravam as coisas. Em primeiro lugar a mulher não tinha nenhum direito ao divórcio mesmo quando seu marido chegasse a “converter-se em leproso, apóstata ou se complicasse em negócios sujos”. Falando em geral, na Lei judia o marido podia divorciar-se de sua mulher por qualquer motivo. A mulher não podia divorciar-se de seu marido por nenhum motivo. Sob a Lei judia a mulher carecia de toda ajuda e defesa. Em segundo lugar, o processo do divórcio era desastrosamente fácil. A Lei mosaica dizia que aquele que queria divorciar devia entregar à sua mulher uma carta de divórcio. O documento rezava: — “Que esta seja de minha parte a escritura de divórcio, a carta de demissão e a ata de libertação, de maneira que possas casar com qualquer homem que encontres”. Tudo o que o homem fazia era entregar esta nota de divórcio à sua mulher escrita corretamente por um rabino e na presença de duas testemunhas. Assim o divórcio era levado a cabo. A única outra condição que se requeria era que o dote da mulher fosse reintegrado.

Quando surgiu o cristianismo, o laço matrimonial estava em perigo até dentro do judaísmo. Tão grande era o perigo que a própria instituição do casamento via-se ameaçada; os jovens judeus rechaçavam absolutamente o casamento pela posição insegura da mulher.

1 – O vínculo precioso — Efésios 5:22 – 33 — continuação.

A situação era pior dentro do mundo helênico (grego). A prostituição era uma parte essencial da vida grega. Demóstenes o deixou estampado como a regra de vida comum e aceita: — “Temos cortesãs por motivo de prazer; dispomos de concubinas por motivo da coabitação diária; temos esposas com o propósito de possuir filhos legítimos e uma guardiã fiel para todos os nossos assuntos domésticos”.

As mulheres das classes respeitáveis na Grécia levavam uma vida completamente à parte. Não tomavam parte na vida pública; nunca apareciam sozinhas nas ruas; nunca se apresentavam em comidas ou reuniões sociais; tinham suas próprias habitações às quais ninguém podia entrar senão apenas o marido. Como dizia Xenofonte, a finalidade era que “vissem tão pouco, ouvissem tão pouco e perguntassem tão pouco quanto fosse possível”. A mulher respeitável grega era educada de tal maneira que o companheirismo e a comunidade matrimonial lhe resultavam impossíveis. O homem encontrava o prazer e a amizade fora do casamento.

Sócrates dizia: — “Existe alguém a quem pode confiar assuntos mais sérios que sua mulher — e há alguém com quem se fala menos que com ela?”.

Vero, o colega imperial do grande Marco Aurélio, certa vez sua esposa o reprovou por associar-se com outras mulheres; respondeu-lhe que lembrasse que o nome de esposa era um título de dignidade, mas não de prazer. Todo o teor de vida grega fazia do companheirismo entre o homem e a mulher algo quase impossível. O grego esperava que sua mulher dirigisse sua casa e cuidasse de seus filhos legítimos; o prazer e a companhia os encontrava em alguma outra parte.

Pior ainda, na Grécia não existia um procedimento legal de divórcio. Como alguém o expressou, o divórcio era puramente um capricho. A única segurança que a mulher tinha era a reintegração de seu dote. Na Grécia o lar e a vida familiar estavam próximos da extinção, e a fidelidade era absolutamente inexistente.

2 – O vínculo precioso — Efésios 5:22 – 33 — continuação.

Nos dias de Paulo a situação em Roma era ainda pior. A degeneração de Roma era trágica. Nos primeiros cinco séculos da república romana não tinha havido um só caso de divórcio. O primeiro divórcio documentado foi o do Spurio Carvilio Ruga em 234 antes de Cristo. Mas no tempo de Paulo a vida familiar romana estava em ruínas. Sêneca escreve que “as mulheres se casavam para divorciar-se e se divorciavam para casar-se”. Os romanos ordinariamente não datavam os anos com números, mas com os nomes dos cônsules. Sêneca diz que as mulheres datavam seus anos com os nomes de seus maridos.

O poeta romano Marcial nos fala de uma mulher que teve dez maridos; Juvenal de uma que teve oito em cinco anos; Jerônimo confirma que em Roma vivia uma mulher casada com seu vigésimo terceiro marido do qual por sua vez ela era a vigésima primeira mulher. Até encontramos o imperador romano Augusto exigindo a um marido o divórcio de Lídia já grávida para poder casar-se com ela. O próprio Cícero de idade provecta (idosa) mandou embora a sua mulher Terencia para poder casar-se com uma jovem herdeira, cujo administrador legal era ele, e assim ter parte em sua fortuna a fim de poder resolver suas dívidas.

Isto não significa que não existisse a fidelidade. Suetônio nos fala de uma jovem romana chamada Malonia que se suicidou antes de resignar-se aos favores do imperador Tibério. Entretanto, não é exagerado afirmar que toda a atmosfera do mundo antigo respirava adultério. “A castidade era vítima da crescente luxúria da civilização”. O laço matrimonial estava a caminho da sua completa bancarrota.

Paulo escreve contra o pano de fundo desta situação. Quando escreveu esta muito formosa passagem não estava simplesmente expressando o ponto de vista dos homens. Estava chamando homens e mulheres a uma nova fidelidade, a uma nova pureza e a uma nova comunidade na vida matrimonial.

É um fato patente na história que ninguém no mundo, exceto dos meninos, como veremos, deve mais a Cristo que as mulheres. É impossível exagerar o efeito purificador do cristianismo no mundo antigo na vida familiar e ordinária de cada dia.

3 – O crescimento do pensamento paulino — Efésios 5:22 – 33 — continuação.

Justamente nesta passagem encontramos o verdadeiro pensamento de Paulo sobre o casamento. Há coisas que Paulo escreveu sobre o casamento e que nos deixam perplexos e desconsertados; coisas que honestamente desejaríamos que nunca as tivesse escrito. E por desgraça isto é o que se cita com frequência como o ponto de vista paulino sobre o casamento.

Um dos capítulos mais estranhos de Paulo é 1 Coríntios 7. Ali fala sobre o casamento e sobre as relações entre homens e mulheres. Segundo o ensino de Paulo nesse capítulo a verdade nua é que a única razão pela qual é permissível o casamento é para evitar algo pior. Escreve: — “Mas por causa da impureza, cada um tenha a sua própria esposa, e cada uma, o seu próprio marido” (1 Coríntios 7:2).

Permite que uma mulher cujo marido faleceu possa casar-se de novo; mas é melhor que ela fique solteira (1 Coríntios 7:39, 40). Prefere que não se casem os que não estão casados e as viúvas. “Caso, porém, não se dominem, que se casem; porque é melhor casar do que viver abrasado” (1 Coríntios 7:9). Para falar cruamente, o ensino estranho e ferino deste capítulo, é que o casamento é melhor que o adultério, mas que isso é tudo o que se pode dizer sobre ele.

Há uma razão para que Paulo escrevesse assim. Quando o apóstolo escreveu 1 Coríntios esperava cada dia e a cada hora a Segunda Vinda de Jesus; por esta razão estava convencido de que ninguém, homem ou mulher, devia submeter-se a nenhum tipo de laço terrestre, mas sim concentrar-se totalmente no uso do breve tempo que restava como preparação para a vinda do Senhor. “O solteiro cuida das coisas do Senhor, em como há de agradar ao Senhor; mas o que é casado cuida das coisas do mundo, em como há de agradar à mulher” (1 Coríntios 7:32, 33). Quando escreveu 1 Coríntios 7, Paulo estava insistindo em realidade em que o homem devia amar mais a Jesus que ao pai ou mãe ou esposa ou filho; em que a lealdade a Jesus devia ter precedência sobre as mais caras lealdades da Terra. E procedia assim porque pensava que a Segunda Vinda de Cristo teria lugar em qualquer momento.

Mas entre 1 Coríntios e Efésios há um espaço talvez de nove anos. Nestes nove anos Paulo se precaveu de que a Segunda Vinda não era tão iminente como cria; que de fato a comunidade cristã não vivia a situação temporária do fim do mundo, mas sim uma situação mais ou menos permanente. Em Efésios encontramos o verdadeiro ensino de Paulo sobre o casamento: — “o casamento cristão é a relação mais preciosa da vida; seu único paralelo é a relação entre Cristo e a Igreja”.

Para ser justos com Paulo devemos tirar sua doutrina sobre o casamento deste capítulo e não da mais primitiva carta aos Coríntios. Em 1 Coríntios 7 há prescrições para uma situação de crise e emergência numa época em que Paulo estava convencido do iminente fim do mundo. Efésios nos dá a doutrina de Paulo sobre o casamento como parte da situação permanente da vida cristã.

Ainda é possível que a passagem de Coríntios esteja colorida por uma experiência pessoal do apóstolo. Parece que em seus dias de judeu ciumento era membro do Sinédrio; quando narra sua conduta para com os cristãos diz: — “contra estes dava o meu voto” (Atos 26:10).

Agora, ao que parece uma das condições para ser membro do Sinédrio era o casamento; por isso Paulo devia ser casado. Mas nunca menciona a sua esposa. Por que?

Bem pode ser que sua esposa o tivesse abandonado quando se tornou cristão, voltando-se contra ele. Pode ser que quando Paulo escreveu 1 Coríntios falasse de uma situação em que não só esperava o advento imediato de Cristo, mas também em que encontrava em seu próprio casamento um dos problemas maiores e um dos sofrimentos mais penosos.

Nessas circunstâncias do mundo, como ele as via, e de um casamento, que vivia em carne própria, teria concebido o casamento como um estorvo para o cristão. Mas com o correr dos anos caiu na conta de que a relação matrimonial se assemelhava nada menos que à relação entre Cristo e a Igreja — mas, tudo isto, é tão–somente especulativo.

4 – O fundamento do amor — Efésios 5:22 – 33 — continuação.

Algumas vezes se descarta por completo a ênfase desta passagem. É lida como se a essência da mesma estivesse na subordinação da mulher ao marido. A frase “o marido é cabeça da mulher”, cita-se isoladamente. Mas há muito mais. O fundamento de toda esta passagem não é o controle, mas sim o amor. Paulo refere-se ao amor que o marido deve ter para com sua mulher.

[1] – Deve ser um amor sacrifical.

Deve amar a sua mulher como Cristo amou a Igreja e deu-se a si mesmo por ela. Nunca deve ser um amor egoísta. Cristo não amou a Igreja para que a Igreja fizesse algo por Ele, senão para Ele fazer coisas por ela. Crisóstomo se espraiou admiravelmente nesta passagem: — “Viu a medida da obediência? Escuta também a medida do amor. Quer que sua mulher lhe obedeça como a Igreja obedece a Cristo? Preocupe-se por ela assim como Cristo se preocupou com a Igreja. E se for necessário que deva entregar sua vida por ela ou ser despedaçado, ou suportar o que for, não fuja disso […] Cristo levou a Igreja a seus pés por sua grande solicitude, não pelas ameaças, o temor ou coisa que o valha; esta mesma deve ser sua conduta com respeito a sua mulher”.

O marido é cabeça da mulher — é verdade que Paulo afirmou isto. Mas o apóstolo diz também que o marido deve amar a sua mulher como Cristo amou a Igreja, com um amor que jamais recorre à tirania do controle, mas sim está disposto a qualquer sacrifício por seu bem.

[2] – Tem que ser um amor purificador.

Cristo purificou e consagrou a Igreja pelo lavar da água, no dia em que cada membro fez sua profissão de fé. Pode ser que aqui Paulo tenha em mente um costume grego. Um dos costumes nupciais gregos era que a esposa antes de ser conduzida ao altar devia banhar-se nas águas de um rio consagrado a um deus ou a uma deusa.

Em Atenas, por exemplo, banhava-se nas águas do Calírroe consagrado à deusa Atenas para que as águas sagradas a purificassem de toda impureza — Paulo pensa no batismo — Pela lavagem do batismo e a profissão da fé Cristo faz com que a Igreja seja para Ele limpa, pura e consagrada, de tal maneira que não se encontre nela nenhum lugar sujo nem ruga que a desfigure.

“Todo amor que arrasta a uma pessoa para baixo é um amor falso. Todo amor que em lugar de refinar o caráter o torna mais grosseiro, que necessita do engano que debilita a fibra moral, que torna má uma pessoa, não é amor. O amor verdadeiro é o grande purificador e limpador da vida toda”.

[3] – Deve ser um amor solícito.

Um homem deve amar a sua mulher como ama a seu próprio corpo. No dizer de Paulo, como nutre e cuida de seu corpo, o amor cuida da pessoa amada. Não ama para procurar serviço nem para assegurar a atenção de sua comodidade física. Não ama por própria conveniência, mas sim cuida da pessoa amada.

Há algo que não está em ordem quando um homem olha a sua mulher consciente ou inconscientemente, como a que deve preparar a comida, lavar a roupa, limpar a casa e educar os filhos. Não deve ser tida como um tipo de diarista permanente, mas sim como a pessoa com quem alguém tem o dever de brindar-se.

[4] – É um amor inquebrantável.

Por este amor o homem deixa pai e mãe e se adere à sua mulher — Tornam-se uma carne — Une-se a ela como os membros do corpo estão unidos entre si. Não pensa em separar-se dela, o qual equivaleria a rasgar seu próprio corpo. De fato, estamos aqui perante um ideal que contrasta com uma época em que homens e mulheres mudavam de consorte com a facilidade com que mudavam a roupa.

[5] – Esta é uma relação como diz Paulo, no Senhor.

Vive-se na presença do Senhor, em sua atmosfera; cada iniciativa é dirigida pelo Senhor; cada decisão é tomada no Senhor. No lar cristão Jesus é o hóspede que sempre se tem presente ainda que esteja em forma invisível. No casamento cristão não participam dois, mas sim três e o terceiro é Cristo.

Apresentação em PDF.

Paz e graça.
Pr. Me. Plínio Sousa.

[1] – Comentário de Efésios por William Barclay, p. 119 – 128, Tradução: Carlos Biagini, Título original em inglês: The Letter to the Ephesians.

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